No último sábado, ouvi pela televisão – de alguém cujo nome não me surge agora à memória –, um dia depois da morte de Luis Fernando Verissimo, aos 88 anos – completados quatro dias antes da sua partida definitiva – este oportuno e sincero desabafo: “Depois de nos fazer rir com seu inconfundível humor durante tantos anos, um dos maiores cronistas brasileiros acabou, enfim, por nos fazer chorar copiosamente”.
Crítico mordaz do ser humano, quando necessário, o gaúcho de Porto Alegre, onde nasceu e morreu, entre milhares de outras, nos deixou a singela frase que encabeça estas tristes linhas. Uma frase, aliás, que se aplica, mais do que nunca, ao instante por que passa não só o Brasil, mas o mundo todo. Deixou-nos e, pior, sem substituto.
Além de jornalista, Verissimo era dono de múltiplos talentos: foi escritor, cronista, contista, romancista, humorista, cartunista, publicitário, revisor (do jornal “Zero Hora”, onde começou a sua carreira), tradutor, músico (tocou saxofone), frasista, mas, sobretudo, um eterno amante da liberdade e, como tal, defensor intransigente da democracia.
Com fina ironia, criticou a ditadura militar de 1964, da qual só ficamos livres depois de longos e pavorosos 20 anos. Como escritor, criou inúmeros personagens, mas o que se tornou mais popular foi o Analista de Bagé (título de um dos seus livros) – um estranho personagem, que se utilizava de métodos pouco ou nada ortodoxos.
Sua frase se aplica, como uma luva, ao nosso país, que, sobretudo na política, está mal frequentado. Com a reconquista da democracia, e a partir da promulgação da Constituição de 1988, muitos de nós achávamos que o país estaria vacinado contra qualquer tentativa autoritária. Na prática, porém, isso não ocorreu. Dentro de alguns dias, leitor, saberemos o teor dos votos de cinco ministros do STF encarregados de julgar um ex-presidente e mais sete aliados, todos acusados de ter participado de uma tentativa de golpe de Estado com o objetivo de impedir a posse de um presidente legitimamente eleito.
Viveremos, sem dúvida, dias de altíssima tensão com o julgamento que se iniciou no último dia 2. Além da antecipação da disputa eleitoral, nossa economia ainda correrá graves riscos, que se tornarão ainda mais graves com a deletéria influência do governo autoritário de Donald Trump, que, ao lado de outros brasileiros, defensores do ex-presidente Bolsonaro, entre os quais se destaca o (ainda?) deputado Eduardo Bolsonaro, justificam a frase de Verissimo.
Não se exige diploma de direito ou de jurista para se concluir que é fora de dúvida que o ex-presidente Bolsonaro atentou contra a democracia. Ainda que se aceitasse a sua “tese” – a de que procurou produzir meios legais para não entregar o poder ao eleito –, isso já violaria a nossa Constituição. E a simples tentativa de se fazer passar, no Congresso Nacional, o PL da Anistia demonstra, por si só, para dizer o mínimo, o grau de insensatez a que chegaram os nossos congressistas.