A mais recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reacendeu um intenso debate sobre os limites da liberdade de expressão e o papel da Justiça na democracia brasileira. No último dia 21, Moraes determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro está proibido de conceder entrevistas que possam ser divulgadas em redes sociais – medida que se soma a outras restrições já impostas, como a utilização obrigatória de tornozeleira eletrônica e a proibição do uso pessoal das plataformas digitais.
A decisão impede o ex-mandatário de participar de transmissões, retransmissões ou veiculações de entrevistas em canais de terceiros nas redes sociais, o que gerou reações imediatas no meio político, jurídico e jornalístico.
Logo após a decisão, Bolsonaro cancelou entrevistas previamente marcadas com o portal Metrópoles e uma coletiva de imprensa na Câmara dos Deputados. A resposta veio rápido: juristas e parlamentares da oposição classificaram a medida como uma forma inédita de censura, levantando preocupações sobre o alcance do Judiciário.
O advogado constitucionalista André Marsiglia considerou a decisão um “grave atentado às liberdades fundamentais” por afetar não apenas o direito de expressão do investigado, mas também o trabalho da imprensa e o direito da sociedade de ser informada.
Críticas de vozes liberais e progressistas
A polêmica ultrapassou fronteiras. Juristas internacionais, como Jeff Kosseff e Jacob Mchangama, ambos defensores da liberdade de expressão, publicaram o artigo “Mill Rolls in His Grave” (“Mill se revira no túmulo”), no qual criticam duramente a concentração de poder nas mãos de Moraes. Para eles, a decisão mina o pluralismo político e abre precedentes preocupantes para a democracia.
No Brasil, o jornalista Carlos Andreazza, da BandNews FM, advertiu que a medida “pode, inadvertidamente, vetar a divulgação de entrevistas jornalísticas” – levantando questões sérias sobre liberdade de imprensa. Já Eduardo Oinegue, âncora do “Jornal da Band”, criticou não apenas essa decisão, mas também a recente concessão de prisão domiciliar a um traficante, que classificou como “incompreensível”, apontando para um “péssimo momento vivido pelo Supremo”.
Ex-ministros do STF manifestam preocupação
Até mesmo entre ex-integrantes da Suprema Corte há vozes de alerta. O jurista Ives Gandra Martins afirmou que, embora a decisão não configure ilegalidade formal, causa “desgaste evidente à imagem da Corte e, especialmente, à figura do ministro Alexandre de Moraes”. Ele questionou a coerência institucional: “Se o STF anulou decisões de Sergio Moro por colaboração com procuradores, como vai agir agora diante de condutas semelhantes?”.
Já o ex-ministro Miguel Reale Júnior ponderou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem poder de polícia para apurar desvios, mas ressaltou a importância do Ministério Público no processo investigativo. Segundo ele, decisões unilaterais comprometem a legitimidade das ações judiciais.
A controvérsia em torno da decisão de Moraes expõe uma tensão crescente entre o combate à desinformação e a preservação das garantias constitucionais. Críticos temem que o STF esteja criando precedentes perigosos, capazes de limitar o livre exercício da imprensa e o direito à informação – pilares centrais de qualquer democracia.
Enquanto o debate se intensifica nos tribunais e nas redações, entidades da sociedade civil acompanham os desdobramentos com apreensão. A grande pergunta que paira no ar: até onde pode ir o Judiciário sem ultrapassar os próprios limites da Constituição?