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A natureza e seus direitos

Um novo modo de pensar o mundo que nos circunda

Por Oscar Torreta
Publicado em 27 de maio de 2022 | 03:00
 
 
 
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O primeiro título que tinha pensado para este artigo era: “Pensar Além”. A razão desta escolha inicial foi ditada pelo desejo de despertar de imediato a ideia de transformar, com urgência, o modo de pensar o mundo que nos circunda.

Tentarei, na medida do possível, argumentar as razões dessa enunciação de princípio e propor, talvez presunçosamente, um caminho a seguir, ou melhor dizendo, sugerir uma oportunidade imaginativa, que possa nos ajudar percorrer coletivamente uma nova trajetória ecossistêmica. Com base nesse raciocínio repartirei – ainda que não seja elegante citar-se – a frase com a qual concluí o meu precedente artigo em O TEMPO, “Animismo e Brumadinho” (8.4.2022), que se referia ao fato: “...que a maneira como interpretamos o nosso mundo muda a nossa experiência desse mundo”.

Bem, sim, o mundo que nos circunda tem a ver com a maneira que temos de pensá-lo e consequentemente, de vivê-lo e geri-lo. Bastaram poucos segundos para que tudo mudasse em Brumadinho e para que uma jovem mulher, chorando com raiva, pronunciasse estas palavras: “...Exijo que tomem as providências para que as outras malditas barragens não se rompam e ceifem mais vidas!”.

Como responder a este grito de dor e apelo à uma obrigação não somente moral? Naturalmente existem inúmeras possibilidades e maneiras de atender esta pretendida responsabilidade civil, uma delas seria a de procurar novas maneiras de pensar as finalidades do nosso viver coletivo. Rever o que os filósofos chamariam de fins teleológicos. É urgente, como apenas dito, fazê-lo, não só pelo ocorrido em Brumadinho, mas também em razão de outras catástrofes ecológicas, do aquecimento global, da extinção da biodiversidade, da poluição, dos desequilíbrios hídricos e territoriais, e assim por diante.

Devemos nos esforçar a pensar de forma diferente a nossa relação com o mundo e, assim, ir além das habituais referências imaginativas.

Desmatamento aumentou 75% em três anos

Não oferecerei muitos dados em suporte à minha tese, além do fato que não faltariam. Simplesmente, aconselharia àqueles que têm interesse e tempo se informarem por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em três anos, a taxa anual de desmatamento aumentou 75%, e os incêndios florestais de 24%, frequentemente provocados deliberadamente para dar lugar a pastagens, plantações e à extração mineral.

Todos estamos, outrossim, cientes dos resultados, nas nossas vidas, das extrações indiscriminadas. Apesar disso, a tendência continua. Nos primeiros três meses de 2022, o desmatamento aumentou em 64% em comparação com 2021.

Não quero aborrecer o leitor com demasiados dados embora, neste momento, não possa me eximir de perguntar se devemos pensar além da praxe habitual ou continuar confiantes em não pensar? Quem acredita que estes dados sejam instrumentais, para apoiar um ou outro lado político, pode terminar aqui o artigo.

A ideia de que a expansão do bem se baseasse na concepção de que a Terra é um recurso ilimitado ao qual se pode atingir ilimitadamente eclipsou, seja pelo esgotamento dos recursos que pelas consequências ambientais decorrentes da extração desses recursos. E isto vai além dos alinhamentos políticos.

Ora estamos diante de uma nova realidade, nos agrade ou menos. Pela primeira vez, a medimos dia após dia. Como consequência disso, a emancipação política não pode mais ser associada ao crescimento infinito da riqueza. Nos encontramos em uma situação completamente nova.

À tudo isso, se quisermos, podemos acrescentar o tangível domínio da mercadoria nas relações entre as pessoas, o que poderíamos chamar de consumismo, a despeito do fato que seja mais do que isso e que por alguns, tenha sido definido, como fetichismo das mercadorias, ou seja que as pessoas se relacionam predominantemente por meio das mercadorias, que tudo se torna mercantil, e que estamos basicamente reduzidos ao papel ridículo de fazer escolhas econômicas “racionais” em razão da abundância de mercadorias ou apenas para tentar obter outras mais eficientes.

Todavia, não gostaria de me afastar muito do núcleo central da questão que é o de tomar consciência da realidade atual e de como pensarmos de forma diversa em relação à essa.

Como antropólogo, me pergunto se a minha categoria estaria na condição de oferecer alguma coisa. Creio de sim, também em virtude das tentativas, ao longo do tempo, por parte desses últimos, de tentar explicar como existem formas de habitar a Terra muito diversas daquelas desenvolvidas pelo capitalismo e o realismo socialista (marxista-leninista), baseado em princípios fideístas, antes de tudo, na questão relativa à habitabilidade da Terra, que por sua vez deu fundamento a aposta do progresso ilimitado e de riqueza infinita.

Também não é novidade que a antropologia, em parte ligada às tentativas acima mencionadas de explicar como existem diferentes formas de habitar a Terra, pode ser vista como uma potencial ferramenta para refletir sobre as formas de vida social, e ao mesmo tempo como transformá-las.

O que são direitos legais da natureza

É em parte, também graças aos antropólogos, que a partir do início dos anos 2000 efetivou-se a ideia de conferir direitos legais à Natureza. Vários países já o fizeram. Na Índia, por exemplo, o rio Ganges adquiriu direitos humanos. No Equador, a Constituição consagra o “direito da natureza ao respeito integral”.

As coisas estão melhores na Nova Zelândia, onde foram aprovados em 2017 os primeiros direitos para a lei sobre a Natureza. Lá, o rio Whanganui, que corre através da ilha do Norte, obteve os direitos de personalidade. Isto significa que o rio, não a natureza, pode agir como uma pessoa em um tribunal, ou seja, tendo valor jurídico. A lei neozelandesa também designou os representantes do rio: um comitê composto por representantes da comunidade indígena que lutaram por esses direitos, bem como representantes da Coroa, sendo que a Nova Zelândia ainda faz parte do Commonwealth Britânico.

(*) Oscar Torreta é antropólogo

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