A dinastia Windsor não sai da pauta das redações, das escaladas dos telejornais, das manchetes dos sites e das trends nas redes sociais. Morre a matriarca, e aqui estamos nós vendo a transmissão interminável de uma semana de funeral, cortejos cheios de joias, protocolos e guardas reais de vermelho que devem estar morrendo de sono debaixo daqueles chapelões.
A realeza britânica não tem nada a ver conosco. Mas o que muita gente não sabe é que Minas Gerais também tem rainha. E essa tem a cara e o jeito do nosso povo. É a nossa representante das irmandades do congado e da cultura popular negra no Estado, Belinha, a rainha conga de Minas Gerais. Belinha é hoje matriarca da Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário, sucessora de dona Isabel Cassimira das Dores Gasparino, sua mãe, e de Maria Cassimira, sua avó. Uma realeza de mulheres que há décadas representam o legado de fé e devoção do congado mineiro, patrimônio maior das nossas tradições populares.
"A Rainha Nzinga Chegou"
Para quem quiser conhecer melhor as rainhas mineiras, a grande dica é o documentário “A Rainha Nzinga Chegou” (2019), dirigido por Júnia Torres, Isabelle Gasparini e pela própria dona Isabel Casimira. O filme mostra três gerações de rainhas à frente do reinado Treze de Maio e o poder que carregam na devoção de Nossa Senhora do Rosário.
As imagens foram gravadas pela equipe do filme ao longo de 16 anos. Um processo cuidadoso que acompanhou toda a rotina do Treze de Maio e o envolvimento dessas mulheres com sua fé e com a história de Minas Gerais.
Belo Horizonte é uma cidade que, infelizmente, já nasceu a partir do apagamento das tradições do Rosário e da demolição da igreja que havia no Curral del Rei para o encontro e a profissão de fé da população negra. Essa história vem sendo resgatada ultimamente a partir de iniciativas como a do projeto NegriCidade, do excelente Museu dos Quilombos e Favelas Urbanas (Muquifu).
O filme de 2019 também registra o funeral de uma rainha. Um dos grandes momentos é o ritual realizado após o falecimento de Dona Isabel Casimira, no ano de 2015. Mostra o descoroamento da mãe e a entronização da filha, que passa a se transformar na Rainha Nzinga e segue em viagem para Angola para ampliar o contato com seus antepassados. Uma história que vale a pena conhecer para entender melhor a trajetória daqueles e daquelas que construíram Minas Gerais e são, sistematicamente, invisíveis nos livros da História oficial.
Rainhas mineiras são emissárias das heranças negras
Conhecer a realeza mineira é ter contato com uma outra forma de reinado que nada tem a ver com as maldades, invasões e extravagâncias das monarquias europeias que saquearam metade do mundo e relegaram a cultura de muitos povos ao esquecimento. As rainhas daqui são na verdade emissárias da vida, das nossas heranças negras que compõem todo o cotidiano mineiro, da nossa forma bonita de tocar o tambor, pisar o chão e festejar a nossa religiosidade. Vida longa à rainha! Salve a cultura popular de Minas Gerais
(*)Kerison Lopes é jornalista