Os fatos recentes mostram que a democracia brasileira foi salva por uma questão de sorte. Foi sorte que a máfia golpista fosse incompetente e liderada por um presidente despreparado, militar da reserva que, por pouco, não foi expulso do Exército por indisciplina na década de 1980.
A situação teria sido diferente se no lugar do capitão endiabrado estivesse um general respeitado na tropa, com mínimo de capacidade de articulação e pensamento estratégico. Foi sorte também que havia no Supremo Tribunal Federal (STF) um Alexandre de Moraes com vontade, coragem e obsessão para enfrentar golpistas.
A democracia sobreviveu por circunstâncias que podem não se repetir nos anos adiante se outra vez militares tentarem golpear a democracia. Para ter solidez que impeça tentativas de golpes por militares a democracia precisa pagar três dívidas com o povo, com a nação e com ela própria.
Difícil ter uma democracia sólida com um sistema social em que eleitores vivem em condomínios de luxo enquanto outros se espremem em favelas. Para deixar de basear-se na sorte, a democracia brasileira precisa cumprir a missão de erradicação da persistente pobreza de nosso povo.
É frágil a democracia em uma sociedade cujo sistema escolar se divide em “escolas senzala” e “escolas casa grande”. A democracia em um sistema de apartação social está sempre sob a tentação de desrespeitar a eleição do presidente.
A democracia brasileira precisa enfrentar a questão educacional com a implantação de um sistema público único de educação de base com qualidade para todos, sem o qual o Brasil não conseguirá quebrar a mãe do golpismo: o corporativismo que impede o sentimento de nação entre sindicatos, universidades, empresas e, especialmente, na ideologia e na prática da corporação armada que se arvora independentemente do poder civil dos eleitores.
Para eliminar a sorte como fator de garantia da democracia, o Brasil precisa eliminar a tradição intervencionista de nossas Forças Armadas. É frágil a democracia que trata suas Forças Armadas como uma corporação separada do conjunto da sociedade, como um poder em si, permitindo que esteja sempre pronta para intervir no processo político.
A democracia sólida precisa respeitar os eleitos. Para isso, é preciso pagar a dívida que a democracia tem há 50 anos, reformando as Forças Armadas para adaptá-las ao processo democrático e torná-las exclusivamente elementos de defesa das fronteiras, não de intervenção política.
Dessas questões não enfrentadas nos 50 anos da redemocratização, ficou claro que a questão mais urgente é a militar. As Forças Armadas precisam ser redesenhadas para se adaptar aos modernos instrumentos de defesa baseados na ciência e na tecnologia; devem ser menos Forças Armadas e mais Forças de Defesa das fronteiras.