Dra. Meira Souza

Quando ciência é questão de opinião - o caso das estatinas

Os efeitos colaterais do remédio usado para combater o colesterol alto

Por Dra. Meira Souza
Publicado em 06 de agosto de 2022 | 08:00
 
 
 
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Apesar de ser um fato conhecido, muitas pessoas ainda creem que ciência é uma verdade absoluta, no entanto ela está em constante evolução, por isso é maleável, ou seja, não podemos considerar nenhuma verdade absoluta caso alguma evidência contrária surja.

As estatinas são um remédio usado para baixar o colesterol amplamente utilizado na cardiologia. É claro que é um medicamento com o seu lugar, mas me preocupo com a maneira como ele foi popularizado. Cada vez mais ele é tido como um solucionador de problemas, e não como uma necessidade temporária.

Na clínica de dor eu percebo muito os efeitos colaterais da estatina, as mialgias, as artralgias, a fraqueza... Causa muita angústia a mim o fato de perceber que a medicina como um todo os tem ignorado com muita naturalidade.

Nesta semana me deparei com uma matéria na qual um médico afirmava que os efeitos colaterais das estatinas não passavam de um efeito neocebo, ou seja, os pacientes já sabiam dos efeitos colaterais característicos da medicação, e, ao tomarem, seu corpo projetava a sensação mesmo que esta não fosse verdadeira.

Para comprovar seu ponto, o médico líder dessa pesquisa dividiu dois grupos de pessoas, para algumas deu estatinas e para outras deu placebo. Para sua surpresa, as pessoas que tomaram o placebo reclamaram tanto quanto ou mais dos efeitos colaterais das estatinas do que as pessoas que realmente estavam tomando o remédio.

Ao chegarmos a esse ponto parece óbvia a conclusão de que o problema não são as estatinas, e sim o estigma que as cerca, correto?

No entanto, a meu ver, essa pesquisa poderia ter sido realizada de uma maneira muito mais efetiva. Crer no paciente, nas dores que ele afirma ter, é um dos meus princípios, mas, especialmente no caso de necessidade de intervenção medicamentosa, eu posso contar com exames, com dados coletáveis, comparáveis e que me darão uma convicção muito mais certeira do caminho ao qual vou direcionar o paciente.

Eu não preciso pensar que meu paciente está sofrendo de uma dor “irreal”, posso dosar a enzima CPK, creatinofosfoquinase, que traduz lesão muscular. Quando o paciente chega ao consultório com dor muscular por causa das estatinas, essa enzima vai estar aumentada.

Fazer a dosagem de CPK é o que, para mim, credenciaria a pesquisa com propriedade.

Mesmo que os resultados apontem para uma dor de teor psicológico, na medida em que meu paciente sente, essa dor é real e deve ser acolhida da maneira mais humana possível, sempre tendo em mente a preservação da integridade do indivíduo.

A medicina, muitas vezes, é parcial quando quer induzir um resultado. É confortável para um cardiologista receitar estatina, então ele coordena uma pesquisa que traga a ele o resultado desejado.

No mundo e na medicina devemos estar com os olhos sempre abertos e alertas. Muitas vezes ciência varia de acordo com quem te apresenta a conclusão.

Dra. Meira Souza é médica e escritora

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