Meira Souza

Sensibilidade na medida

Avaliar causas e contexto da dor de cada paciente

Por Dra Meira Souza
Publicado em 01 de março de 2024 | 16:19
 
 
 
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Sou uma médica de pessoas. Atendo demandas diversas, pois a dor surge de origens diversas. Mesmo que eu atenda uma demanda dolorosa com a mesma origem, mas vinda de pessoas diferentes, jamais poderei comparar as duas.

Quando um paciente me diz que está com dor, o meu papel é investigativo. Devo procurar de onde ela surgiu e o que posso fazer para amenizá-la, considerando a realidade do paciente. Jamais assumirei a postura de questionar um sofrimento ou dizer que ele é meramente psicológico, como se isso o fizesse ser menos ruim.

A percepção dolorosa é individual, e sua interpretação é subjetiva. Envolve fatores hormonais, neurofisiológicos, psicológicos e até mesmo culturais. A dor se relaciona diretamente com o momento no qual a pessoa se encontra. Por exemplo, sentir dor nos pés enquanto dança em uma festa ou depois de chegar de um longo dia de trabalho são experiências muito diferentes, mesmo que se manifestem da mesma forma.

Graduar a dor apenas a partir da lesão ou do trauma e rotular pacientes como mais ou menos tolerantes à dor nos leva a muitos erros. Isso, na atualidade, tem sido referência para estabelecer protocolos de tratamento.

Vivemos em um mundo hipermedicado. A partir do diagnóstico da dor, já é implantado um protocolo que muitas vezes pode ser “um tiro de canhão para matar uma formiga” – excessivo para a sensação de dor que algumas pessoas estão tendo. Comumente, esses indivíduos acabam contabilizando mais problemas pelos efeitos colaterais do tratamento do que pelo próprio processo que gerou a dor.

Sedar a dor é humano, mas permitir que outra pessoa sofra com inúmeros efeitos colaterais em nome desse alívio não é prudente.

Alguns pacientes iniciam uma dependência medicamentosa a partir de um episódio doloroso, pois algumas classes de medicamentos comumente utilizados para tratar dor causam muita dependência. Os mais frequentes são antidepressivos, ansiolíticos e opioides, consumidos de forma pouco criteriosa.

Por essa razão, ressalto que é importante ter sensibilidade, perceber o nível de sofrimento que o problema está causando e começar devagar – muitas vezes, estratificando uma receita, elevando o nível de analgesia a partir da demanda, em vez de iniciar pelo fim e causar não só possíveis como prováveis consequências negativas para a vida de uma pessoa que, claramente, já apresenta desafios o suficiente.

Percebo que diversas vezes o médico fica inseguro sobre não abolir completamente o sintoma doloroso e não quer correr riscos, por medo de o paciente se sentir frustrado e procurar outro profissional ou ir a um serviço de urgência.

Quando se trata de saúde, precisamos pensar a longo prazo. Um receituário mais leve, com um paciente plenamente esclarecido, seguro e atento ao fato de que existem outras possibilidades caso essa não funcione, com certeza é uma alternativa muito melhor, capaz de gerar alívio e conforto futuros. Instagram

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