É difícil dizer que é normal a situação de um país em que os protestos por transparência nas eleições já deixaram aproximadamente uma dezena de mortos e mais de 700 presos – incluindo líderes de partidos políticos. Por isso a frustração com a primeira declaração do presidente Lula sobre as eleições venezuelanas, afirmando que não há nada “anormal”.

O problema maior não é o fato de a vitória de Nicolás Maduro ter frustrado as pesquisas de intenção de voto que apontavam ampla vantagem do oposicionista, mas a falta de transparência e a truculência que marcaram o processo desde o início.

Quando as prévias eleitorais combinadas no Acordo de Barbados – que possibilitou a suspensão de sanções à venda de petróleo venezuelano – evidenciaram que uma fatia considerável da população estava insatisfeita com o regime bolivariano, o governo reagiu, resgatando ações judiciais que restringiram o acesso de candidatos mais populares ao pleito.

Os observadores internacionais – que também eram uma condição prevista no tratado – foram sistematicamente excluídos do processo. O próprio presidente venezuelano contribuiu para a instabilidade ao prever “um banho de sangue” em caso de derrota e acusar, sem apresentar provas, a existência de um ataque hacker às apurações e uma tentativa de golpe contra o governo.

Em todo o desenlace dessa crise, o Brasil renunciou à política externa pragmática e apostou nas afinidades ideológicas. A mensagem de Lula ignora os mais de 500 mil migrantes e refugiados venezuelanos que hoje vivem no Brasil segundo a Acnur/ONU, partes de uma grave crise humanitária. Desprezou também os riscos estratégicos, que já haviam se multiplicado com a reivindicação por Maduro do Essequibo, hoje governado pela Guiana, e cujo único acesso terrestre viável se dá por território brasileiro (Roraima).

O Planalto precisa de mais do que pedir as atas eleitorais – insuficientes para provar a lisura do pleito. É preciso garantias de que o direito, a estabilidade e a liberdade política estão vigentes e que a vontade do povo e a democracia serão sempre respeitadas.