Brasil Inacabado

Em Caraí, no Vale do Jequitinhonha, da janela de uma casa com telhas de barro e tijolos simples, Maurina Rodrigues, 31, tem o olhar vazio. E, para ela, o vazio é uma escola iniciada há quase cinco anos e que acabaria com o tormento de ver os três filhos pequenos enfrentarem uma hora de viagem até a sala de aula. Mas a obra do prédio está parada desde 2016, parte dos 14.347 empreendimentos com recursos federais em todo o país que transformaram em nada R$ 10 bilhões de dinheiro público já liberados.

Na série especial “Brasil Inacabado”, que O TEMPO começa a publicar hoje, os jornalistas Fransciny Alves e Flavio Tavares mergulham nesse universo de desperdício, má gestão, burocracia, corrupção e descaso com o ser humano. São escolas, creches, postos de saúde, hospitais, penitenciárias, rodovias, quadras e redes de esgoto abandonados, incompletos e depredados, cujo custo de retomada passaria facilmente dos R$ 130 bilhões – 30% a mais que tudo o que Minas Gerais espera arrecadar neste ano.

O descaso de gestores com a coisa pública é uma maldição que acompanha o Brasil desde as capitanias hereditárias – concessões tratadas como bens privados na apropriação dos recursos e como terra de ninguém na prestação de serviços aos cidadãos. É traço de uma transição incompleta, patrimonialista e cartorial, em direção à modernidade, que emperra o desenvolvimento econômico e toma a forma de impostos cada vez mais altos sobre produtos, serviços e renda.

Exemplifica notavelmente esse comportamento perdulário o fato de que apenas uma em cada dez obras está parada por motivos financeiros. Em 70% dos casos, a razão da paralisação é uma falha técnica ou o abandono pela empresa responsável.

Os mais de R$ 1,36 trilhão arrecadados em sete meses com tributos, taxas e contribuições no país provam que há dinheiro e esforço para atender a população, mas que, devido ao descaso e à incompetência, viram um gigantesco vazio.