Um dos argumentos contra a eficácia do isolamento social é o de que é impraticável executá-lo em comunidades carentes, onde famílias com dez ou mais pessoas vivem sob o mesmo teto, em ruas sem esgotamento e que para elas, de tão pobres, ficar sem trabalhar significa a fome. As três afirmações são verdadeiras, mas nenhuma justifica colocar a responsabilidade pelo contágio do coronavírus sobre os ombros já carregados dessa população.
Essas pessoas acabam sendo empurradas involuntariamente para o interior da disputa entre proteger a economia e defender medidas de prevenção – dois argumentos razoáveis.
Trata-se de uma verdadeira “tragédia dos comuns”, conceito popularizado em 1968 pelo ecologista Garret Hardin. Em resumo, ele diz que pessoas atuando de forma independente e racional, pensando nos seus próprios interesses, acabam agindo contra o que é melhor para todos.
Não é porque a pandemia começou que, de uma hora para outra, 12 milhões de pessoas que vivem em favelas e aglomerados passarão a ter saneamento (53% da população do país não possui coleta de esgoto), ou moradia digna (6,9 milhões de famílias não têm imóvel para habitar), ou rendimento (6,5% dos brasileiros vive com menos de US$ 5 por dia – critério do Banco Mundial para definir miséria extrema).
Justamente porque o coronavírus mudou radicalmente a realidade global é que se deve pensar de forma diferente. É preciso promover uma conciliação verdadeira entre a produção e o bem-estar social; entre a geração de riqueza e a sua distribuição justa; entre a economia e a vida.
Talvez, agora seja o momento de promover políticas sociais e usar os investimentos na área para aquecer a economia e, enfim, resgatar essas pessoas comuns da tragédia em que vivem.