Temos uma necessidade de hierarquia. Na vida amorosa: namoro, noivado, casamento. Na vida profissional: estágio, emprego, chefia.
Acreditamos nos degraus de uma escada para todos os passos de nossa trajetória. Apostamos em promoções, em crescimento, em escalada.
Nem sempre é assim com sentimentos.
Talvez você jure que deve se apaixonar e depois, gradativamente, amar. É um lugar-comum de nossas crenças. Eu mesmo já confiei muito na ordem inalterável dos fatores: primeiro se apaixonar e depois amar. Um depois do outro. Como etapas cronometradas para dividir o teto e os sonhos.
Só que não. Descobri que você dificilmente vai amar aquela pessoa por quem se apaixona. A paixão é uma emoção autônoma, não se transforma.
Casais apaixonados se separam logo após se casarem. Porque estão acostumados ao desafio, ao flerte perigoso, à exclusividade, à aventura. Não conseguem dividir o parceiro com a família, com os amigos, com as responsabilidades. Desejam prolongar uma aventura e não suportam a estabilidade.
A paixão não é uma fase, mas um ciclo completo, com data de validade. É como uma doença contraída simultaneamente pelo par. Tem muito de avareza. Tem muito de possessividade. Tem muito de ignorar tudo ao redor. É mais próxima de uma obsessão do que do amor.
Ela não esmorece, simplesmente acaba. Ambos se curam um dia da simbiose e se despedem como dois estranhos.
Serão namoros trimestrais, semestrais, anuais em sua bagagem sentimental.
Ao se apaixonar por alguém, você não vai amar. Trata-se de uma história bonita, relevante, mas sem final feliz. Um mergulho na libido, na atração, na química do encontro.
Você é capaz de não dormir, não comer e, ainda assim, despertar disposto. Perde a cabeça, o chão, o teto. Saboreia uma loucura desprovida de lógica e precedentes, um superpoder, uma fissura do outro mais do que nunca. Você não pensa no futuro, endivida-se para agradar e corresponder às expectativas, age contra os seus princípios, abandona os afetos antigos e leais para experimentar uma imersão em prazer. Coloca o que mais preza em segundo plano: filhos, pais, carreira. Tudo pode esperar.
Ninguém aguentaria uma existência inteira apaixonado. Pois é um estado de alerta que consome as energias até a exaustão. Você emagrece, você fica avoado, você se torna irreconhecível.
A paixão não tem como se converter no seu oposto, o amor, que é tranquilidade, altruísmo, divisão de encargos, serenidade. É impossível. Fingimos, por uma aparência pública, que nos apaixonamos por quem amamos. Porém, sempre amamos quem amamos. Não há transição, transferência, migração de memória.
O amor não surge do caos da dependência, mas da quietude da amizade, das confidências, das conversas inesquecíveis, do entendimento dos traumas, da proteção mútua das fragilidades, do respeito ao espaço individual e da admiração por uma identidade distinta. O amor escolhe quem se mostra habilitado a cuidar de você.
O amor é uma construção, a paixão é um acaso.
No amor, você sabe o que está fazendo. Na paixão, você não sabe o que está fazendo.
Paixão não desemboca no amor. O amor é um caminho que você faz pouco a pouco, de mãos dadas, entre provações e desafios. Sem a angústia da pressa. Sem o risco de sacrificar a si próprio. Sem a ansiedade do ciúme. Com uma saudade consentida, consolidada e recíproca.
Eu amei Beatriz desde o princípio. Graças a Deus não me apaixonei por ela, não a desperdicei com o egoísmo, porque nossa história estava reservada a um propósito maior: a cumplicidade inquebrantável de alma.
Jamais quis tirá-la do seu eixo, jamais quis mudá-la.
Da mesma forma, ela me inspirou a prosperar, a fortalecer o meu caráter. Não seria quem sou sem essa mineira. Ela me permitiu crescer, eu lhe permiti crescer, e a relação cresceu junto.
Existe entre nós o arrebatamento, que se assemelha a se apaixonar, mas está mais associado à intensidade de viver lado a lado.
Você mais é quando ama. Você menos é quando se apaixona.