Eu tenho cada vez mais convicção de que o amor nasce das gentilezas.
Jamais dos sacrifícios e das renúncias, que são boletos emocionais para pagar em até 30 dias.
Num mundo de corações desidratados, em que a educação e o respeito são raros, encontrar alguém gentil é memorável.
A gentileza vai descascando as suspeitas e formando a confiança do casal. Com ela, você percebe que o seu par não apenas quer você, num ato possessivo de transferência e simbiose, mas quer o melhor para você.
Realizei um esforço de evocação para me lembrar do início da minha relação com Beatriz, em Belo Horizonte: o que me encorajou a depor as armas de autopreservação e me expor, vulnerável e aberto, ao romance com essa mineira maravilhosa.
Porque geralmente, nos primeiros encontros, estamos com pé atrás, estamos com medo de sofrer de novo, estamos reativos a grandes demonstrações e juras de apego.
Ao entrar em seu apartamento, eu notei que a lâmpada da sala piscava. Perguntei se poderia trocar ou se ela buscava manter uma atmosfera de balada. Ela aceitou o meu favor. Além de segurar a escada com a mão direita, ela pôs a mão esquerda na minha perna. Aquilo já foi uma sutil diferença. Ela desejava me apoiar para que eu não caísse, não somente firmar o acessório. O que parecia bobo era deveras relevante.
Ao dirigir o carro rumo ao restaurante, comecei a receber massagem em meu pescoço. Tratava-se de um gesto protetor, agradecendo a carona. Assim como eu, ela deixa o som no rádio, para ser surpreendida por alguma música. Não é que tocou “Te Faço um Cafuné”, de Dominguinhos?
“Te faço um cafuné quando tu for dormir
Te dou café quando se levantar
Dou comida na boca, mato a tua sede
Armo a minha rede e vou te balançar”.
O acaso nunca é gratuito para quem está verdadeiramente presente. Existe um tanto de vidência lendo a realidade.
Cantamos juntos. Foi o momento em que vi que eu gostava da sua gargalhada. Uma segunda barreira caiu de minha parte.
No jantar, ela se deu conta de que minha barba estava suja de molho da massa quatro queijos e gentilmente usou o seu guardanapo de pano para limpar o canto da minha boca. Não advertiu, não expressou nojo. Exerceu uma coreografia de natural intimidade, como se já estivéssemos casados por muito tempo. Foi o momento em que eu vi que nos entendíamos com o olhar. Eu sabia como ela se sentia pelo movimento de suas sobrancelhas, de suas piscadas, de seus olhos arregalados, de seus olhos brilhantes – suas vontades emergiam nítidas e cristalinas de suas pupilas.
Na hora de fazer uma pergunta difícil, ela entrelaçava os seus dedos nos meus sobre a mesa. Um cuidado terapêutico que não me passou despercebido. Ela me incentivava a desabafar, revelando com o contato que se importava profundamente comigo.
No café da manhã, não havia nada na geladeira. Até porque vivíamos na rua em nossa fase de descobertas, madrugadeiros sem supermercado, sem frequentar o comércio no horário comercial.
Ela me ofereceu bolachinhas de água e sal. Ela comia uma e me alcançava a outra, num revezamento igualitário. Só que reparei, num detalhe refinado ali: ela escolhia as quebradas para si e as poucas inteiras para mim. Então eu disse que também preferia as quebradas – pedaços se encaixam. Ela pegou o pacote e espremeu o conteúdo do lado de fora, para não sobrar mais nenhuma distinção em nossa fome.
A comunicação entre nós se fundamentou no toque mais do que nas palavras. A necessidade de falar fazendo carinho – eis a magia que nos une até hoje. Mesmo no silêncio, somos carne, somos pele, somos afeto.