Mineiro ama os idosos.
Estão por toda parte, não trancados em casa.
Não dá para lacrar alegando que é o estado que mais os valoriza. Mas posso afirmar que os idosos são mais sociáveis. São mais rueiros. São mais baladeiros. São mais livres. São mais ativos.
Minas Gerais é a terceira unidade federativa com maior número de pessoas com idade superior a 60 anos, atrás apenas do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Representam 12,4% da população, só que a parcela parece muito mais significativa, tamanha a coreografia diária.
Você vê um contingente de idosos na rua, fazendo compras no supermercado, almoçando ou jantando nos restaurantes, cantando em shows e aplaudindo em teatros. São presenças vibrantes, centrais, indispensáveis na rotina mineira.
Eu frequento o Minas Tênis Clube de manhã. Há ginástica com centenas deles. Ocupam a piscina mais do que os pequenos. Ficam andando ou nadando de uma raia a outra. Quando eu passo, testemunho a roda de gargalhadas dos mais velhos dividindo um açaí. De tarde, jogam cartas até escurecer. São donos de si. Não se percebe o estigma da aposentadoria — logo desfeito na pluralidade da gentileza e do olho no olho.
Não que eu esteja idealizando a velhice. Não que não sofram, não arquem com as suas dores de estimação, mas não pararam de ousar, de tentar, de se relacionar. Não encerraram o expediente de sua curiosidade. Misturam-se ao ritmo do cotidiano sem chamar atenção. Não surgem isolados, como peças de museu ou estandartes da complacência.
Lembro que, dias desses, inventei de atravessar um barranco no jardim para cortar caminho e escorreguei sentado até o fim da ribanceira. Provoquei um vexame. Para a minha surpresa, quem veio me socorrer foi uma senhora de 85 anos, que ofereceu apoio:
— Ocê se machucou, menino?
A mão dela era mais firme do que a minha, uma rocha encravada no riacho. Ela me ergueu com os músculos rijos de quem jamais se entregou à idade. Nem precisou das duas pernas para firmar a alavanca.
Em Minas, você não envelhece. No máximo, emagrece.
As famílias sentem orgulho de contar com o vovô e a vovó na mesa. Na cabeceira da mesa. Inclusive, as cadeiras são diferentes, com o dobro de almofadas.
O povo inteiro escuta o que eles têm a dizer. Suas anedotas do antes e do depois, suas comparações entre as décadas.
Há silêncio, há pausa, há reverência.
Não prepondera a conversa simultânea. Não manda quem grita. Não se destaca quem fala mais alto. As palavras são distribuídas pelos mais antigos, que concedem voz e vez a quem solicita. É tão organizado o enclave que falta apenas levantar o braço, como numa sala de aula.
Talvez tenha sido aqui que conheci a paciência. Eu me curei da ansiedade observando os encontros com os parentes de minha esposa Beatriz. Os idosos são incensados. Você não morre de imobilidade e inércia, morre no meio do movimento. Morre vivendo. Morre encantando. Aproveitando quem está ao seu lado até o último minuto, até a última fatia do fubá.
Tia Naná, 95 anos, beirando um século de estórias, irmã da minha falecida sogra, é uma entidade. As reuniões giram em torno dela, qualquer visita que chega vai até ela primeiro para a prosa e a bênção. É mais importante do que a própria comida servida. É a rezadeira, o voto de Minerva, o Google de Rio Espera, o conforto do colo.
Os avós recebem cuidados dos netos e sobrinhos. É o inverso da creche na hierarquia dos lares.
Já ouvi pais pedindo para as crianças:
— Vá lá passear com a sua vó.
Ninguém quer perder o prazer de estar perto da experiência, da sabedoria do afeto, das cercanias do divino que unicamente existe em quem guarda longeva humanidade.