Geladeira de solteiro é caracterizada pela presença maciça e intoxicante de sachês. Uma montanha de sachês. Uma avalanche de sachês.
Quanto mais tempo sozinho, mais sachês.
Centenas de amostras grátis de mostarda, maionese e ketchup ocupam as formas dos ovos.
Quando se puxa a porta da geladeira com força, despenca uma porção delas.
É como a praga do copo de requeijão: não se contabiliza, não se para um minuto para contar quantos exemplares se acumularam. No fim, não haverá mais nenhum cálice ou taça no armário – somente copos reutilizados.
É também como aquelas barrinhas de cereal que você não se lembra de ter colocado na bolsa ou mochila e ficam amassadas, irreconhecíveis, formando um forro geológico. Já passaram da validade.
Os sachês são a multiplicação do vazio. Vêm do delivery e não vão embora. Nenhuma geladeira com muitos deles estará cheia. Talvez reste uma garrafa d’água, uma triste escolta na prateleira.
Como o sujeito vive na rua, não se importa em desovar o invasor ou limpar o refrigerador.
Não se trata de apenas um item, não existe isso – eles surgem em bando. Agem em bando. Trazem junto a família e os agregados.
Até porque o volume de cada bisnaga é ridículo: faz-se necessária uma dúzia para cobrir dois pedaços de pizza.
Não há como cortar a embalagem facilmente, a linha pontilhada é uma ironia.
Igual ao fósforo: não se acerta de imediato. O primeiro é inútil, costuma se apagar no ar.
O biquinho fechado incita a truculência. Somam-se várias tentativas para resgatar metade de um saquinho. E não é prático, o vivente se lambuza ou suja a roupa com seu esguicho-relâmpago por alguma abertura imprevisível. Pensa que abriu por cima, e o conteúdo sai por baixo. A gosma gosta de surpreender.
O correto seria adotar uma tesoura, mas a falta de paciência desemboca nas serrinhas desajeitadas da faca.
Para evitar a dependência, aconselho: jogue fora o que não foi consumido no almoço ou no jantar. Sem piedade. Sem repescagem. Você nunca usará de novo. Não adianta guardar. Esquecerá para sempre.
Jamais vi alguém dar uma segunda chance:
– Vou aproveitar aquele sachê de ontem!
Não cultive a compaixão. O sachê modifica sua mentalidade. Transforma seu jeito de viver, levando a renúncias e privações. Perde-se a noção de qualidade pela miragem da quantidade.
Ao preservar os brindes da tele-entrega, você começará a economizar nos ranchos, dispensando a compra dos potes que contêm esses produtos. Achará que não precisa de nenhuma reposição na despensa. Diminuirá consideravelmente sua frequência no supermercado. Acabará a paz da prosperidade.
Só o impacto de um casamento poderá salvá-lo dos sachês.
Só o amor para regenerar a geladeira.