Fui preparar feijoada na panela de pressão, depois de vencer a resistência e a cisma de minha esposa de que ela poderia explodir. 

- Não mexe com isso, amor!, Beatriz tentou me dissuadir. 

Eu mexi, apesar de contar com a sua presença angustiante e tensa ao meu lado na cozinha. Eu me via um terrorista cortando as linguiças, separando a costela, picando os temperos. 

Pelo seu olhar vidrado, armava uma bomba que destruiria o nosso teto. Não era um simples almoço, longe da harmonia de um banquete festivo. 

Mineiro quando teima com algo não há como explicar que é seguro. Pensei em chamar uma testemunha por vídeo. Convoquei a minha mãe cozinheira de longo costado. 

Ela afastou qualquer temor, destacou a simplicidade do processo. 

Com uma advogada de defesa, jurei ter destruído a paranoia para seguir em paz com o cozimento dos grãos. 

Após trinta minutos, o vapor fugia misteriosamente de um buraco perto do cabo da panela. Para quê? 

Beatriz começou a gritar que estava errado. Não mais falava, gritava. Pedia para que largasse tudo, recuasse, que desligasse a boca, abandonasse o feijão eternamente no fogão, nunca mais abrisse a tampa. 

Eu implorei por calma, o que os vizinhos iriam imaginar dos apelos desesperados de uma mulher na monotonia do domingo? 

Até que saiu uma neblina forte da frincha. Nebulizou o ambiente. 

E ela soltou um berro de socorro. Como se tivesse visto baratas voadoras por todos os cantos. 

Eu me senti emparedado. Liguei para o meu filho em Porto Alegre que recém havia enfrentado uma feijoada e que manejava com constância a panela de pressão. Ele achou estranho a saída do vapor pelo cabo, diferente do que estava acostumado. Argumentou que deveria ser apenas pelo bico central. 

Beatriz se inflou de razão. Concluiu que faltava uma peça, que um parafuso havia caído em nossa mudança, que a emanação partia de um lugar impróprio, por avaria do material, que logo mais testemunharíamos um incêndio, uma chuva de meteoros pretos. 
 
Não sou de abandonar uma tarefa pela metade. Persisti mais trinta minutos com o coração na garganta, temeroso das consequências. A culpa e a burrice seriam exclusivamente minhas. 

A esperança mudou de direção no momento em que vapor passou a sair do apito, não mais do buraco lateral. Comemorei a fumaça branca da pequena chaminé:

- Habemus Papam.

Ela não se tranquilizou nem um pouco. Teve somente alívio quando desenrosquei a trava. 

E me obrigou a prometer não arriscar mais e comprar uma panela para a próxima vez. 

Não havia negociação - entraria em greve de silêncio. Então, diante do dilema salomônico, encomendei uma nova. 

Qual a minha surpresa quando o produto chega? Li o adesivo afixado nas suas bordas. 

“Inicie o cozimento sempre com fogo alto. Nos instantes iniciais, a saída de vapor acontece pela válvula interna de fechamento que se encontra na parte inicial do cabo superior (Figura 1). Após a panela atingir a pressão necessária, esta válvula se fecha, cessando a saída de vapor e travando os cabos. A partir desse momento, o excesso de vapor passará a sair pela válvula de trabalho (Figura 2).”

Esclareci para Beatriz que sofremos em vão, não existia nada de errado, que poderíamos seguir com o feitiço do antigo caldeirão. 

- Por via das dúvidas, use sempre a nova! 

Mineiro é desconfiado mesmo quando se prova o contrário.