Minha esposa se espantava com gaúchos tomando chimarrão em dias tórridos no verão. 
 
Tampouco ela compreendia como eu poderia levar a térmica e o mate para a praia e me deliciar com água fervendo diante de um sol de 40 graus. 
 
Enquanto ela queria se refrescar, eu me aquecia. 
 
Ela acreditava que deveria beber um coco gelado, seria mais apropriado para me hidratar. Achava que eu passava dos limites da tradição, que fazia uma extravagância para me exibir, que chimarrão combinava com frio, e somente com o inverno, do time do chá e da canjinha de galinha. 
 
- Você é louco! 
 
Eu ria, orgulhoso, de tal conclusão. Em todas as barracas e guarda-sóis do litoral no Rio Grande do Sul, as pessoas reproduziam o meu gesto. Não me encontrava sozinho em minha loucura. 
 
A verdade é que as normalidades são diferentes no país. O mesmo susto e pasmo eu tenho com o café em Minas Gerais. Desprevenido, já queimei os lábios em sequência. Minha resistência sulista com o amargo verde não me ajudou em nada. 
 
Mineiro não bebe café quente, mas pelando. É anestesia local. 
 
Você nem vê o líquido preto pela fumaça. A história de grão torrado não termina nas primeiras etapas do processo industrial, continua sendo torrado indefinidamente. 
 
Jurei que tinha experimentado situações isoladas. Até que percebi que significava um costume. Não é para menos que as chaleiras se apresentam sempre preteadas na boca do fogão. 
 
Ele não espera o café esfriar, não sopra, não dá uns goles devagar, entorna o líquido incandescente, de um jato, como lavas de um vulcão. 
 
Mineiro é dragão cuspindo chamas de manhãzinha, fabricando neblina no céu da boca. 
 
Nas paradas na estrada, em minhas viagens ao interior do Estado, não houve uma vez em que não consegui segurar o copo. Os dedos ardiam, o plástico chegava a derreter, numa fina e perigosa camada de suas paredes. Temia que tudo desmoronasse num pequeno passo e sujasse a minha roupa. O ato exige equilíbrio e concentração, como o de uma criança segurando uma bandeja cheia e servindo a família num almoço. 
 
Se eu não bebericasse na hora, haveria alguém ao meu lado perguntando se aconteceu algo de errado, como se tivesse caído uma mosca ou uma abelha em seu conteúdo. Eu respondia que estava quente demais e sempre ouvia, de bate-pronto, para parar de frescura. 
 
Ao preparar um cafezinho para a visita de meu amigo e escritor Afonso Borges em minha casa, qual foi a minha supresa quando servi a xícara da cafeteira fumegante e ele pediu licença para usar o microondas. 
 
- Para quê?
 
Ele aqueceu ainda mais o café em trinta segundos. Não estava suficientemente pronto. 
 
Por isso, mineiro vive passando um novo café. O que se encontra na garrafa há quarenta minutos não está no ponto ideal de caldeira. 
 
O que me leva a crer que a língua dos mineiros tem uma proteção especial, é blindada, antitérmica, porta corta-fogo. Não sei se a cachaça fornece alguma imunidade. Existe uma mágica que merece ser estudada nos laboratórios.