Não importa o tempo de convivência, jamais deixo a porta do banheiro aberta. Indiscrição destrói a intimidade. Na falta de papel higiênico, grito desesperadamente e peço que a esposa me alcance o rolo por uma fresta. Nada de me espiar sentado no vaso com a calça arriada. É uma cena de ruína viril que bloqueia as fantasias.
Não se trata de romantização, mas de preservação da própria imagem. O descaso nos leva ao desleixo, que nos conduz para a grosseria. De degrau a degrau, abandonamos o cuidado. É uma escadinha infalível para o abismo e para gestos inconsequentes. Depois disso, arrotos e flatulências públicas se tornam constantes.
Também não sou adepto de espremer as espinhas alheias. Que cada um cuide de sua adolescência. Que cada um se vire com as suas acnes.
Igualmente evito cortar as unhas dos pés na cama ou na sala, com arremesso de lascas para longe. Já brinquei o suficiente de estilingue na infância. Eu aparo devidamente e secretamente em cima da privada. A descarga leva embora as provas do crime.
Já em termos de costumes alimentares, não tem muito o que lutar contra a evolução do matrimônio. Faço parte da regra, do movimento da manada.
No início da relação com Beatriz, eu me preocupava com o hálito. Era o amor do Halls preto. Estava a toda hora escovando os dentes, ou mascando chiclete, ou chupando bala. Vivia fugindo para o banheiro e carregando pastilhas nos bolsos. Soprava o meu bafo nas mãos, de modo infantil, para me certificar do perfume.
Com dois anos de casados, já começamos a fazer concessões. Aceitávamos o beijo de torresmo. Aceitávamos o beijo de mocotó. Aceitávamos o beijo de moqueca. A pimenta foi incorporada no dia a dia do romance. Já não temíamos os esguichos de fogo próprios do dragão. Não nos queimávamos pela boca.
Com quatro anos de casados, passamos a admitir a imperiosa feijoada, com rabo de porco e linguiça. Antes do selinho, ela me avisava que havia um grão no meu dente ou um resto de couve. Não bastando a advertência, ela tomava a dianteira e limpava com a ponta do dedo.
A intimidade se mostrava consolidada, sem segredos, sem espelhos.
Com cinco anos de casados, nós nos sentimos maduros para enfrentar o bife acebolado, numa comunhão parcial de bens e de danos. Em comum acordo, tolerávamos a ardência e as lágrimas das cebolas. Partíamos do princípio de que, se comêssemos juntos, nenhum dos dois iria perceber. O que é uma mentira, sempre existe no relacionamento aquele que tem refluxo e demora a se recuperar do trauma – a fragrância fica como herança para a semana seguinte. Isso sem contar que o cheiro, muito além dos lábios, sai pelos poros: você literalmente sua o odor.
Com sete anos de casados, não há mais pudor. Acabaram as preliminares do medo. Você nem pergunta se o outro vai acompanhá-lo na truculência gastronômica. É capaz de devorar sozinho uma pizza alho e óleo e ainda querer dormir de conchinha.
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