Na tribo Yanomami, você só pode enxergar o espírito das árvores depois dos 40 anos. Antes, precisa sempre se valer de quem tem mais idade, os mensageiros da intuição.
Da mesma forma, os mineiros acreditam na sabedoria do irmão mais velho. É o pajé de casa. Atua como um mediador de conflitos, um juiz de paz.
Há uma hierarquia na ordem doméstica, na tomada de decisões. É importante consultá-lo. O primogênito tem a força de um oráculo, capaz de pressentir entraves em negócios e suscetibilidades entre os parentes.
Vai comprar um imóvel? Fala-se primeiro com o irmão. Brigou com alguém? Fala-se primeiro com o irmão.
Ele apresenta uma experiência desembaraçadora. Mesmo que o tempo de vida seja maior apenas por alguns meses.
Família grande depende desse tripé. Nem tudo precisa chegar aos pais. Aliás, eles são chamados em último caso, quando os problemas são irreversíveis.
Irmãos em Minas são sempre gêmeos, mesmo quando não são. Unha e carne, complementos de uma igual filosofia de resiliência. Partilham princípios imutáveis de um caráter que jamais pode ser negociado.
No caso de dúvidas éticas de um caminho a ser seguido, o irmão mais velho dá o voto de Minerva, lembrando aquilo que não deve ser feito sob pena de perder a alma.
Eu fiquei espantado o quanto os irmãos se valorizam em Minas Gerais, sem essa de crescer e se alienar em redutos pessoais e carreiras alheias. Não se juntam apenas nas tragédias e despedidas. Ainda que formem a sua história, casando e tendo filhos, não permanecem longe. Ou se encontram nos finais de semana, ou viajam em excursões nas férias.
O cunhado e a cunhada são peças tão fundamentais quanto o sogro e a sogra na composição de vínculos. Eles realmente influenciam, palpitam e não aceitam impostores. Compram briga se percebem que o seu protegido está sendo desvalorizado e passado para trás. Na hora de casar, cuide para agradar aos irmãos de quem ama – é o grande teste de aceitação e acolhimento.
Minha esposa é filha única. Nem por isso se vê sozinha e isolada. Adotou o seu primo, Paulinho, como seu irmão mais velho. Poderia também ser um tio. O lugar nunca fica vago. As ligações entre eles são demoradas, com longas descrições das encruzilhadas.
Paulinho vem enfrentando um câncer. Está mais magro e com o rosto crescido pela dor. Eu noto que Beatriz não sabe muito bem como consolar alguém que sempre lhe cedeu amparo. Ela o ama tanto que sofre por nunca se achar ajudando o suficiente.
Evidente que ele reconhece a ternura desajeitada e medrosa e avisa que a doença continua sob controle, como um veterano que enxerga pela fé e antevê os espíritos das árvores.
Paulinho é os olhos de Beatriz, as mãos estendidas dentro das pupilas.
É como um anjo da guarda que a conhece desde pequena, que entende a coerência de suas atitudes, o que pode fazer bem ou mal.
Quando os irmãos se amam, os pais se tranquilizam. Percebem que eles se ajudarão em eventual ausência. Sentem aquele orgulho de deixar todo mundo perto, como na infância.
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