Uma das maiores reclamações de minha esposa é que, como gaúcho, eu saio da mesa para lavar louça quando recebemos convidados.
Eu pensava que estava agradando. Recolhia os pratos e não retornava até ensaboar e enxaguar os pratos, talheres e copos. Já aproveitava para passar o café e separar a sobremesa. Deixava a conversa da sala de estar como um radinho ligado no fundo de mim. Qualquer menção ao meu nome, tratava de aparecer no corredor para me defender. Em caso de não ser nomeado, tentava correr contra o tempo para me reinserir logo ao convívio.
Meu modo de ação é a saída à francesa, sem me despedir, sem estardalhaço. Eu me envaideço da invisibilidade. Procuro transmitir a noção de que fui rapidamente ao banheiro.
Minha criação é assim no pampa, lava-se tudo para não constranger as visitas com a pia lotada. Minha família acredita que o anfitrião deve prestar os serviços inteiros. Odeio quando alguém que acolhi em minha residência pega a esponja e o detergente. Para mim, é falta de respeito.
Já para o mineiro significa maus modos abandonar um papo pela metade. Até que venha o silêncio, não é possível se mexer. A voz e o lazer têm preferência sobre o serviço doméstico.
Beatriz fica escandalizada com o meu vaivém. Diz que passo a mensagem de que desejo que todo mundo vá embora, que apresso os passos do convívio, que gero uma pressa inconveniente.
Isso mesmo: ela me chama de inconveniente. É esse o adjetivo.
“Pare de ser inconveniente”.
E eu jurava que deixava o povo mais à vontade, prolongando a sua estada, dando conta do recado sozinho. Assim, ninguém precisaria se incomodar com nada, apenas gargalhar, comer e beber.
“Não se larga a mesa nunca. Depois cuidamos da cozinha. As pessoas notam a sua indisposição. Parece que tem outro compromisso.”
Nossa relação tem esse choque cultural. Ao final do dia, questiono se as pessoas gostaram do cardápio e ela sempre suspira:
“Pena que não curtiu junto”.
Nunca se sente completa, justamente pelo meu hábito de limpeza na hora.
Acho tão feio já ter se servido e os restos permanecerem à frente. Não consigo entender.
Eu ajo com a impessoalidade de um restaurante, ocupando simultaneamente os papéis de chef, garçom e auxiliar. Minha ambição é conquistar uma estrela do Michelin com o suor do meu rosto. Não devo ser beneficiado pela situação. Não serei preguiçoso para me esbaldar na cadeira e não me preocupar com o rigor do tratamento oferecido aos amigos e familiares.
Já, no entendimento mineiro, o anfitrião ofereceu a casa e a comida, está de bom tamanho. As visitas fazem questão de ajudar, de recolher as travessas e as vasilhas, de limpar e guardar os objetos. Recompensam o conforto do momento com o trabalho braçal.
Ocorre uma inversão do meu padrão de comportamento: os donos da casa são mimados, cortejados, festejados. Não podem largar a cabeceira da atenção e se distraírem com afazeres.
O que vale é a alegria da imobilidade, marcar posição com piadas e causos, agradecer a proximidade dos cotovelos, comover-se com a presença espirituosa.
E que os ossos e os cascos das garrafas fiquem empilhados até o anoitecer, até o momento em que a turma começa a planejar o jantar em animado mutirão.
Banquete em Minas é acampamento, farofada, é a vida cheia até transbordar, até a lâmina da lua cortar as nuvens.