FABRÍCIO CARPINEJAR

Mineiros lindos

O milagre do romance baixa no corpo quando o mineiro não chama mais você pelo nome e decide batizá-lo de repente de lindo ou linda. É lindo ou linda para cá, é lindo ou linda para lá.


Publicado em 01 de março de 2020 | 03:00
 
 
 
normal

Em Minas, existe um dialeto amoroso que pode simplificar quando alguém está a fim de você. Vem antes do “eu te amo”, mostrando que caiu nas graças de uma pessoa. 

É um código secreto de linguagem. Observei que funciona mesmo. 
Expõe encantamento. Como é de conhecimento comum, o encantamento abre espaço para a paixão. É pela admiração que o amor encontra a porta aberta. 

O milagre do romance baixa no corpo quando o mineiro não chama mais você pelo nome e decide batizá-lo de repente de lindo ou linda. 

É lindo ou linda para cá, é lindo ou linda para lá.

Pode ter certeza que o cupido flechou. Acertou em cheio o coração. Desmoronaram as defesas e a desconfiança. 

Lindo é o estado mais quente das palavras sentimentais nos gerais das montanhas. 

Significa que você foi eleito para a convivência, que a atração aconteceu, que tem a predileção dos pensamentos, que a saudade bordará as fronhas dos travesseiros, que o trem do beijo se aproxima.

Quando saí pela primeira vez para jantar com Beatriz, no momento em dividimos a sobremesa com a mesma colher, um cheesecake de frutas vermelhas, ela passou a me chamar de lindo. 

– Ó lindo! 

Cabe aqui um parênteses, o lindo em Minas, para firmar envolvimento, surgirá antecedido da interjeição: ó lindo, ó linda. Não apresenta o artigo definido. É o detalhe decisivo do enamoramento. 
Evidente que fiquei assustado na hora. Primeiro, acreditei ser efeito hipnótico do doce e do açúcar. 

Depois raciocinei que ela estava necessitando de um oftalmologista urgente. Será que ela não via o quanto eu era feio, no mínimo estranho? 

Eu contava com espelho no quarto para aceitar que era tudo, menos lindo. Inteligente talvez, simpático por que não?, cheiroso sem dúvida, mas lindo era uma forçação de barra que jamais havia testemunhado. 

Quase interrompi o feitiço pela verdade. Para ser sincero desde o início de nossa relação. Por uma questão de justiça. Para não colocar a carreta na frente dos bois. Para não começar o romance de modo torto, mentindo. 

Daí pensei que ela estava sendo educada e não a interrompi para explicar o exagero. Achei que desapareceria com o tempo, que representava um cacoete da alegria, uma manifestação carinhosa pura com os desconhecidos, que a intimidade traria discernimento, que os meus defeitos ganhariam também a sua atenção.

O perigo é que ela tomou gosto pela nomeação. Virou um hábito, usado para mudar a marcha de qualquer conversa ou agradecer alguma cortesia e gentileza.

Às vezes, ela fala isso na frente de todos e não sei onde me esconder de tanto constrangimento. Fico ruborizado, como se estivesse sido jogado dentro do conto de Hans Christian Andersen, “A Roupa Nova do Rei”, receoso que um amigo abra os olhos dela e me descubra nu em praça pública. 

Desde lá, ela só me denomina assim. Foi quando deduzi que Beatriz me amava. Não usa a expressão com mais ninguém. Pertence ao monopólio de nossa cumplicidade. 

Já quando ela me chama pelo nome, em temida exceção, tenho a certeza que fiz algo errado. Boa coisa não é.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!