Sou amigo de um amigo que tem camarote no Mineirão. 

Isso faz com que me sinta estranhamente dono do camarote. Já estou enfeitiçado pelo poder territorial de Belo Horizonte. O privilégio nem é meu e já espalho como se tivesse autonomia de escolher quem entra e quem sai com as pulseiras coloridas pelas roletas. 

Mineiro costuma criar programas a partir de um efeito dominó, em remotas e generosas proximidades. 

Tudo é de um amigo de um amigo de um amigo, a ponto de chegar a um lugar sem jamais descobrir o verdadeiro responsável. 

Vamos a uma balada? É de um amigo de um amigo. 

Vamos a um aniversário? É de um amigo de um amigo. 

Vamos a um bar? É de um amigo de um amigo. 

De repente, está circulando numa casa e abrindo a geladeira desconhecendo o dono ou o próprio aniversariante.

Nunca ninguém se enxerga como penetra. O boca a boca vai firmando elos, gerando coincidências, homenageando fiadores. 

O costume é perdoar o excesso e não se importar com um a mais ou a menos, desde que tenha um amigo do amigo envolvido. 

Meu vizinho, sabendo de meu acesso ao camarote, perguntou se poderia levar a família. Deduzi que fosse a esposa e os dois filhos. 
Sem detalhar, busquei conseguir quatro cortesias. 

Não é que descobri que ele não queria carregar o povo de seu IPTU, mas a história inteira de sua vida. 

– Quantas pessoas são afinal? – perguntei.

– Quatorze! Meus pais, meus tios, meus irmãos, meus sobrinhos...

Tive que apontar que era muita gente, que dava para encher um ônibus, que significava tomar as cadeiras de assalto e lotar o espaço VIP com a sua árvore genealógica. 

Ele entendeu perfeitamente, porém não perdeu a ousadia de arriscar. A tentativa é válida na concepção do habitante de Minas Gerais. Quem não arrisca, não petisca. 

Em qualquer outro lugar, o gesto receberia o estigma de cara de pau e de abuso. Menos aqui. 

Não existe convite individual para o mineiro. Ele trará um agregado. De modo nenhum largará o aconchego de seu lar desprovido de um álibi. 

Se não está casado, arrumará uma companhia na última hora. E, na maior parte das vezes, se esquece de avisar e pedir licença. 
Pois é consenso que o amigo do amigo não reclamará, é gente boa, gente fina. 

Mineiro apenas vai sozinho para debaixo da terra. E olhe lá! 
Todo convite será, na sua nascente, estendido aos parentes mais próximos e conhecidos mais frequentes. 

Na alegria, não desperdice o seu tempo e dinheiro com números contados na ponta dos dedos. A migração acontecerá. Aguarde uma multidão. 

O que explica que as festas costumam extrapolar a lista de convidados. Se projeta um casamento com 200 convivas, põe no papel o dobro. 

Por que em batizados e casamentos a igreja sempre está cheia? Não é fruto do acaso. A romaria é induzida, o comício fora armado, espera-se atingir depois a recompensa do bufê da recepção. 

Quando Jesus multiplicou os pães e os peixes, havia algum mineiro presente em Betsaida, no mar da Galileia. Só pode.