FABRÍCIO CARPINEJAR

O namoro dos negócios

'Nem é sangue-frio, é geladíssimo. Quando sentem a sua urgência, propõem um novo encontro ou alegam que vão pensar melhor.'


Publicado em 29 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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Já negociei com vários mineiros. Só saí perdendo. Saí com menos do mínimo pretendido. Quase foi de graça. Parece, inclusive, que recebi um favor.  
 
São os melhores intermediários para acordos e arremates. Emparedam pelo coração e matam pelo cansaço.  
 
Eles não falam, o que gera a precipitação do outro lado. Ficam em dúvida, ruminando por um longo tempo.  
 
Eu acho que estão desanimados, mas é de propósito: o silêncio é um método mental de guerrilha tropeira para criar ansiedade. Estão firmes e certos, só que não têm pressa nenhuma. Tiram proveito de sua impaciência. Incentivam, pelo laconismo misterioso, que argumente sozinho, respondendo e perguntando, para acabar o estoque das armas secretas.  
 
Ao perceberem que você falou o que queria, que todas as cartas encontram-se na mesa, soltam um “não sei” que nos devolve ao ponto de partida. Como se nada do que tivesse sido dito até aquele momento fosse realmente importante. Como virar um tabuleiro de jogo com as peças perto da chegada.  
 
Eles não se deslumbram com cifras ou ofertas. Tratam tudo com a opacidade de um primeiro lance. Tudo é desinteressante, mesmo quando há um forte desejo para comprar ou vender. Escondem o olho gordo com a magreza do discurso.  
 
Nem é sangue-frio, é geladíssimo. Quando sentem a sua urgência, propõem um novo encontro ou alegam que vão pensar melhor.  
 
Eles já pensaram, já até decidiram, mas pretendem testar a sua resistência.  
 
Não conseguirá o aperto de mãos no contato inicial. Tire os seus pangarés da chuva. Partilhará de longa convivência, cafezinhos, almoços, visitas. Você se tornará amigo, o que dificultará ainda mais o pregão. O afeto complicará qualquer vantagem. Ficará com dó de passar a perna conhecendo a esposa ou o marido, os filhos e os avós. Será inserido no seio familiar quando apenas pretendia um desfecho rápido.  
 
É bem possível ganhar um agrado em casa: um queijo, um vinho, uma cachaça. Para consagrar as intenções nobres da parte. Daí terá que retribuir e perderá, entre mensagens afetuosas, o direito de falar de algo frio e calculista. Não saberá como retomar as tratativas. Virá a culpa por ser materialista e pouco sentimental.  
 
Conte com o pior dos cenários. Ao contratar ações pontuais com pedreiro, eletricista, hidráulico, jardineiro, arquiteto, decorador, há grandes riscos de ser abduzido.  
 
Ninguém dirá o valor na hora. É uma caixinha de surpresas. Buscam começar o serviço para mais adiante estabelecer o preço.  
 
“Depois a gente conversa” é o tradicional despiste, o que me dá um arrepio na coluna. Apresso a conta, peço uma projeção, confesso que os meus recursos são limitados, porém nenhum apelo surte efeito. Estabelece-se uma intimidade de confiança de fazer antes para então cobrar que me impossibilita procurar um segundo orçamento. Não sei mais como resolver o assunto. Não há como dizer “não”, desmerecer o voluntariado, e a pessoa é admitida no escuro.  
 
Enfrento noites de insônia, de falta de apetite, de nervosismo com a enigmática fatura. Temo perder a casa, o carro, a carteira do clube, o cachorro.
 
Mineiro namora o dinheirinho. Até noivar. Até casar. Até que você aceite o impossível.

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