FABRÍCIO CARPINEJAR

Os desmaios do mineiro

Mineiro justifica o seu ato de provar uma iguaria fora de hora para não desmaiar, uma variação mais realista do “morrendo de fome.


Publicado em 20 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Mineiro tem manhas secretas, birras criativas. 
 
Uma delas é o pretexto para comer bobagens  antes do almoço e da janta. Ele odeia se explicar, então vive criando urgências. 
 
Salgadinho, torresmos, pãozinho de queijo, empadinha, coxinha e bolinhos não são vistos como calorias, mas como remédios para não passar mal. Como aspirinas alimentares. Um complemento de sal para controlar a pressão. Um reforço suplementar para não perder as forças e a consciência. 
 
Mineiro justifica o seu ato de provar uma iguaria fora de hora para não desmaiar, uma variação mais realista do “morrendo de fome”.
 
Usa esse expediente para prevenir senões e censuras dos familiares: “estou quase desmaiando de fome, preciso me alimentar agora de qualquer jeito.”
 
Óbvio que ninguém vai pagar para ver, e depois ser obrigado a socorrer alguém tombando, enfrentar o trabalhão de reanimar e pedir ajuda. Afora o medo de que bata a cabeça e se machuque seriamente. 
 
Quando a minha esposa confessava que iria desmaiar de fome, eu acreditava que não era uma figura de linguagem, restava um fio do raciocínio para se salvar do pior. 
 
Eu, de pronto, virava garçom, estoquista de supermercado, atendente de lanchonete. 
 
Incentivava que mastigasse algo para se reestabelecer de imediato. Era o que ela mais ansiava ouvir, dando vazão para as suas fantasias e licença para os excessos. Ainda não conhecia a cultura cinematográfica e teatral das pessoas daqui. São atores e atrizes natos. Vivem com água na boca, fingindo que estão se afogando na saliva. 
 
Comecei a observar com mais rigor e descobri a espirituosidade dos blefes. Não me assusto mais, solto uma gargalhada diante da invenção regional, tal pai que ri da molecagem de um filho. Até participo voluntariamente da cena, sem solicitar cachê. 
 
É realmente engraçado que o mineiro só adota tal atitude quando tem em sua frente uma bandeja de proibições de sua dieta. É a autorização que precisa para trapacear o regime. 
 
Trata-se de uma exceção estranhamente recorrente, sábia, para burlar nutricionistas. Assim, ele não está comendo porque quer, porque morre de vontade daquele gordice linda, porém para não ter um piripaque. É uma emergência médica. 
 
Desde o Ensino Fundamental, não deixa de se empanturrar daquilo que gosta, forçando estratagemas para não esperar. As cantinas do recreio sabem muito bem do que estou falando. Mesmo levando lanche de casa, ele arruma um motivo para experimentar o que é vendido no balcão. 
 
Mineiro tem paciência para tudo: negócios, amores, amizades, heranças, campeonatos, jamais para a comida. É um comensal insaciável. 
 
Não diria que sofre de obesidade mórbida, é uma obesidade vivíssima da alma. Todo mineiro é gordo na alma, apesar da aparência magra e enxuta. Não sei qual foi o pacto que fez com Deus, porém é certo que a recompensa envolve algum belisquete. 
 
É mastigando que ele se tranquiliza, que recupera os sabores da infância, que reequilibra a sua vontade de conversar. 
 
A alta incidência de botecos é uma demonstração de sua gula de viver. Os bares são portas de geladeira, as quais pode abrir no momento em que se encontra longe de sua residência.

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