Quando organizei o meu casamento em Belo Horizonte, experimentei o primeiro choque cultural. Eu, gaúcho, ela, mineira.
Eram duas festas completamente diferentes. Como os convidados vinham dos dois Estados, meio a meio, tínhamos que escolher um único modelo.
Não sofremos ao indicar os padrinhos ou para determinar onde cada um sentaria no mapa do salão, nosso dilema estava em definir a sequência das atrações.
No Rio Grande do Sul, o bufê é servido logo no início da celebração, para o povo comer antes de beber e não passar mal. Há a etiqueta de forrar o estômago para blindar a embriaguez. Por sua vez, em Minas, o bufê costuma ser no final da festa, como ápice do enlace. Lembro que travei um debate acalorado com a noiva. Por pouco, não nos separamos ali.
Ela dizia que não fazia sentido servir no início: as pessoas acabariam com sono de bucho cheio, despediriam-se cedo e a evasão seria um desastre.
Expliquei que nunca, o bom tom recomenda a comida no começo, para atender aos mais velhos e permitir que eles não passassem mal com a espera.
– Os pais e tios estão acostumados a comer cedo! Não podemos ferir a rotina deles, pontuei.
Beatriz soltou uma gargalhada. Odeio que comecem a rir numa discussão. Considero a maior falta de respeito. Mas ela não me deu mais chance para argumentar. Falou que estava sendo preconceituoso, que não conhecia o temperamento festeiro local e que casamento deveria seguir o jeitinho dela para dar certo.
Provoquei até onde consegui e tirei o meu time de campo. Só me restou assentir com a cabeça e escutar o tutorial.
– Os velhos são os mais loucos da festa. Eles são os primeiros a dançar e arrastam os netos para a pista. Não existe aposentadoria para a alegria. Viram a chave de luz, não tem mais essa de idade. Casamento religioso é um acontecimento para a vida inteira. Não é exclusivo para gente jovem pirar, todos piram. Vovós e vovôs renderão os melhores vídeos e memes, verdadeiras celebridades da autoconfiança.
– Sim, senhora!
– Beber é uma arte aqui. Basta reparar na quantidade de botecos. Ninguém é fraco para ter que comer primeiro. Bebe-se na véspera, durante e depois. Não existe o amanhã. A festa acabará com o último gole de uísque.
– Sim, senhora!
– Colocaremos a banda para abrir a recepção. Não tem um momento para dançar. Deixar a música ao vivo para o encerramento apenas desanimará o pessoal. Está casando com uma mineira, não uma gaúcha, então não me decepcione.
– Sim, senhora!
– As refeições são no final porque os mineiros comem para ressuscitar e voltar a beber. É uma segunda vida dada de graça. Verá que a festa vai ter um novo pico à meia-noite, como se estivéssemos voltando no tempo. Pela energia, parece que os convidados são penetras recém chegando.
– Sim, senhora!
– Todos vão repetir o prato mais de uma vez. Se possível, provarão das três opções do cardápio. A euforia aumenta a curiosidade. Conte com o excedente. Se são 200 convidados, fundamental providenciar provisão para 600 convidados. Mineiro feliz come por três pessoas.
– Sim, senhora!
– Aliás, teremos que mandar o povo embora, ninguém sairá por livre e espontânea vontade.
Não foi registrada nenhuma baixa mineira na festa. Nenhum integrante da turma de Beatriz caiu de bêbado, enjoado e desprovido de condições de caminhar. Foram, realmente, os últimos a abandonar o tapete vermelho, 4h30 da manhã, claramente contrariados.
Já, para a minha decepção pessoal, seis desnorteados amigos gaúchos, atropelados pela ordem dos acontecimentos, encontraram-se abraçados no vaso, rezando pelo aeroporto de Confins.