A instituição da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), regida pela Lei 14.193/2021, inaugurou uma mudança estrutural na forma de organização dos clubes brasileiros. Ao adotar a roupagem de sociedade empresária, o futebol passa a dispor de um modelo que alia instrumentos de governança corporativa, regras de mercado de capitais e mecanismos de recuperação de passivos. Essa legislação pretendeu atacar uma realidade conhecida: décadas de má gestão, dependência de receitas irregulares e endividamento que, em muitos casos, inviabilizava a continuidade dos clubes em patamares competitivos.

Entre os principais atrativos jurídicos da SAF, destacam-se o Regime Centralizado de Execuções, que organiza a cobrança judicial das dívidas e garante maior previsibilidade no cumprimento das obrigações, e a possibilidade de emissão de debêntures-fut, títulos voltados para a captação de recursos junto a investidores. Ademais, a estrutura societária permite a entrada de acionistas majoritários ou minoritários, viabilizando o aporte de capital e o profissionalismo administrativo.

O impacto econômico imediato já pode ser observado em alguns clubes que migraram para o modelo, atraindo grandes investidores e reestruturando suas dívidas em patamares inéditos. Entretanto, essa abertura de mercado levanta preocupações. A depender do nível de intervenção do investidor, existe o risco de perder a identidade do clube, com a substituição da tradição associativa por uma lógica estritamente empresarial. 

A experiência internacional mostra exemplos de sucesso – como clubes europeus que se tornaram potências globais após investimentos –, mas também de fracasso, com casos de ingerência financeira e abandono de projetos pelos investidores.

Outro desafio relevante é a desigualdade entre clubes. Enquanto alguns possuem vínculo de torcida, marca forte e maior capacidade de atrair capital, outros têm dificuldades para conseguir investidores, ampliando a concentração de poder esportivo-econômico em poucos atores. Nesse sentido, a regulação estatal e a fiscalização tornam-se essenciais para garantir transparência, equilíbrio concorrencial e proteção ao interesse envolvido no futebol, indo além do campo esportivo e assumindo relevância sociocultural.

Diante desse cenário, a SAF é um avanço em termos de modernização e gestão empresarial. Contudo, não é uma solução absoluta. A consolidação do modelo dependerá não apenas de aplicação rigorosa da legislação, mas também de políticas públicas de fomento à base esportiva, preservação da identidade cultural dos clubes e mecanismos de fiscalização que impeçam abusos econômicos.

O futuro da gestão do futebol brasileiro depende da capacidade de harmonizar a lógica empresarial com os valores sociais que o futebol possui. O desafio está em fazer da SAF além de um instrumento de recuperação e sustentabilidade financeira, mas também um modelo capaz de assegurar competitividade, justiça esportiva e respeito à tradição de um dos maiores patrimônios culturais do país: o futebol.