Alberto Maresca / Latinoamérica21

Para o público ocidental, as eleições judiciais no México podem parecer uma clara erosão dos valores democráticos. Em particular, os princípios rousseaunianos de separação de poderes, ao menos do ponto de vista filosófico, não aceitariam a eleição popular de juízes e magistrados em todo o país. Tendo em conta a hegemonia política que o Morena, o partido governante, consolidou desde a chegada à presidência de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) em 2018, e impulsionada pela vitória de Claudia Sheinbaum em 2024, é essencial compreender a lógica por trás deste modelo singular de governança democrática.

O sistema judicial vigente e os objetivos da reforma

Como na maioria dos países latino-americanos, o sistema judicial mexicano está enraizado na tradição do direito romano e civil, herança do colonialismo espanhol. Nesse sentido, pode-se afirmar que a estrutura judicial mexicana, antes da reforma, se assemelhava plenamente aos marcos liberais predominantes nas nações ocidentais. Em matéria de divisão de poderes, o artigo 49 da Constituição mexicana de 1917 — nascida do período revolucionário — estabelece claramente que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não podem se concentrar em uma única pessoa. Esse detalhe legal é essencial para afirmar que a reforma judicial mexicana não pretende distorcer a ordem constitucional pela qual tanto se lutou e que se consolidou após a Revolução Mexicana de 1910-1917, cujo objetivo central era derrubar o ditador Porfirio Díaz.

A reforma impulsionada por AMLO e Sheinbaum implica uma transformação acelerada da estrutura judicial. Os artigos 94 a 107 da Constituição estabelecem três níveis: a Suprema Corte, os Tribunais de Circuito e os Tribunais Distritais. Antes, o presidente da República nomeava os ministros da Suprema Corte e o Senado os elegia. Em nível federal, os juízes locais eram selecionados mediante exames organizados pelo Conselho da Magistratura Federal. Apesar de sua aparência competitiva e independente, o sistema judicial mexicano careceu de verdadeira autonomia durante os 79 anos de governo do PRI e também não conseguiu escapar do nepotismo e do clientelismo.

Reticências e questões democráticas

Após as eleições judiciais de 1º de junho de 2025, a presidente Sheinbaum defendeu a experiência eleitoral alegando que o Poder Judiciário mexicano sofre de nepotismo endêmico, gerando uma herança dinástica de juízes nomeados que poderia cobrir metade do sistema. Suas palavras têm respaldo histórico e empírico: alguns estudos encontraram correlação entre a presença de familiares de juízes no sistema e a baixa produtividade judicial, mesmo na Suprema Corte.

Vale lembrar que AMLO pôde apresentar a iniciativa para autorizar a eleição popular de juízes não apenas pela hegemonia do Morena, mas também porque 66% da sociedade mexicana aprovou a medida. No entanto, eleger juízes, desde tribunais locais até a Suprema Corte, por voto popular suscitou dúvidas sobre a divisão de poderes e as capacidades dos candidatos. Entre os requisitos para se candidatar, destacam-se ter diploma de bacharel em direito com média mínima de 8/10 e, para a Suprema Corte, ao menos três anos de experiência profissional.

O México é o único país que elege seus juízes?

A singularidade das eleições judiciais mexicanas mistura exotismo e ceticismo, mas basta olhar para o norte para relativizá-la. Segundo a Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, cerca de 87% dos 10 mil juízes estaduais enfrentam o eleitorado em algum momento de sua carreira. No entanto, essas eleições costumam ser mediadas pela dependência dos partidos Republicano e Democrata e suas primárias, o que as torna menos diretas do que o modelo mexicano. De forma similar ao México, a Bolívia também elege por voto direto os membros do Tribunal Constitucional Plurinacional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Agroambiental e do Conselho da Magistratura.

Esse contexto mostra que os mexicanos não são os únicos com o direito de eleger diretamente seus representantes judiciais. No entanto, é possível que os contrapesos e a separação de poderes tenham cedido prioridade à participação popular. Em padrões europeus e ocidentais, essa afirmação pode soar como uma redução da governança democrática. E dentro do México, as críticas têm sido abundantes: os eleitores denunciaram confusão nas urnas devido ao grande número de candidatos desconhecidos.

Uma avaliação política

As eleições judiciais mexicanas não constituem um padrão universal para compreender o papel do cidadão na justiça em nível global. Para interpretar a participação, é necessário considerar as características do México: diversidade étnica, grande extensão territorial — do árido norte à costa caribenha — e uma ampla gama de fatores políticos, sociais e econômicos que tornam o país heterogêneo. Em nível nacional, somente 13% do eleitorado votou, com baixa participação em Chiapas — o estado mais pobre — e em Sinaloa, afetado pela violência. A eleição também ampliou a presença do Morena no Poder Judiciário: dos nove ministros eleitos para a Suprema Corte, cinco têm vínculos diretos ou indiretos com AMLO e Morena. Dado que o Morena já controla o Congresso e vários governos estaduais, o risco para a separação de poderes é real, embora apresentá-lo como uma ameaça à democracia seja uma leitura reducionista da política latino-americana. Apesar da controvérsia, as eleições permitiram que Hugo Aguilar, um jurista indígena, assumisse a presidência da Suprema Corte, algo inédito em um país historicamente pouco diversificado em seus altos escalões do poder. O regionalismo também influenciou, e o Grupo de Puebla — uma coalizão de presidentes latino-americanos de esquerda — elogiou a medida de submeter juízes e magistrados à prestação de contas públicas.

Embora o rótulo de populista possa ser aplicado tanto à motivação quanto à execução dessas eleições, ele também ressalta a ênfase tradicional na soberania nacional, particularmente relevante em um momento complexo para a política externa do México diante das ameaças da Casa Branca de Trump.

Resta saber se essas eleições servirão como um novo modelo de governança para a América Latina e o Sul Global ou se marcarão o primeiro tropeço do governo Sheinbaum. De qualquer forma, analisá-las exige um grau considerável de relativismo cultural e consciência do contexto político mexicano. Embora o povo mexicano tenha aprovado a criação de eleições judiciais populares, o baixo nível de participação revela que o entusiasmo pelo princípio não se traduziu em confiança em sua implementação.

O tempo dirá qual será o legado dessa reforma e se os novos juízes, agora sob o escrutínio dos eleitores e da mídia, conseguirão resultados tangíveis. Por enquanto, o mundo observa a tentativa do México de inovar o conceito de separação de poderes e ampliar a participação popular no jogo da democracia, desafiando noções eurocêntricas e liberais de contrapesos institucionais. As consequências, positivas ou negativas, da reforma dependerão em grande medida dos resultados judiciais tangíveis e da relação dos tribunais com o governo da presidente Sheinbaum.

Alberto Maresca é cientista político com mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática da Espanha. Mestrando em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Georgetown, onde é Assistente de Ensino e Pesquisa.

Tradução automática revisada por Isabel Lima