Manhã de domingo

Um dia perfeito?

Nesse momento de descanso, que quase faz esquecer a inescapável realidade destes tempos estranhos, é possível desfrutar de pequenos prazeres

Por Luciara Oliveira
Publicado em 21 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Hoje a gente fica na varanda

Um dia perfeito com as crianças

São as pequenas coisas que valem mais

Renato Russo

 

A manhã carrega a promessa de um domingo tranquilo e agradável. Sem pressa e sem desassossegos. Uma pausa necessária na semana de trabalho e estudos, para a família se permitir parar, respirar. Deixar-se ficar no quintal, brincar com o cachorro na terra, tomar banho de mangueira, jogar bola. Um dia perfeito.

Um domingo assim despretensioso reserva outros pequenos prazeres. Descobrir coisas novas, como um ninho recém-construído no pé de manga ubá, ainda em fase de crescimento. Observar a galinha, futura mamãe, sentada sobre os ovos que em breve se quebrarão, trazendo à luz minúsculas vidas piantes. Um dia claramente perfeito.

É possível ainda, nesse momento de descanso e fruição, que quase faz esquecer a inescapável realidade destes tempos estranhos, admirar a profusão de florezinhas brancas da mexeriqueira, como um anúncio da chegada de frutos suculentos e doces, com a dose certa de sabor azedo. E ouvir a algazarra que fazem as maritacas no ipê do vizinho, agora já cheio de folhas verdes, depois de ter exibido por alguns dias seu espetáculo amarelo vivo. Um dia perfeito, sem dúvida.

E assim vai transcorrendo a manhã ensolarada. Calma, nenhum sobressalto. Até que a mãe decide entrar em casa, deixando as crianças com o pai no quintal para continuarem a desfrutar desse dia perfeito.

Não se passam mais do que cinco minutos. Os dois meninos também sobem para a casa. Silenciosos e com as caras compridas, parecendo segurar o choro, chegam perto da mãe, que fala ao telefone. A mãe termina a ligação e logo pergunta: “O que aconteceu?”. É o que basta para quebrar o silêncio. E começar o berreiro. Dos dois. Cada um gritando mais alto que o outro. Um dia perfeito?

O que motivou a briga? Quem começou? Quem está certo, quem está errado? Quem bateu em quem? O que se ouve é uma sucessão de justificativas incompreensíveis, de ambas as partes. É inútil tentar entender. Por isso a mãe acha melhor deixar o diálogo para depois e recorre à estratégia da respiração para acalmar os filhos. “Vamos lá, respira fundo...” Um pouco de tática no dia perfeito.

Restabelecida a serenidade, é hora de conversar. Escutar e acolher o que cada um tem a dizer sobre o desentendimento. Depois, chamar atenção no que for preciso, levar um a pedir desculpas ao outro, fazer pensar nas atitudes que provocaram toda a confusão, estimular a empatia. E assim ficar em paz. E seguir vivendo o dia perfeito.

Um dia perfeito se faz de detalhes perfeitos, das pequenas coisas, que valem mais – como cantou Renato Russo –, mas também de inevitáveis imperfeições. Rasuras que não comprometem o todo da obra, ao contrário, são parte fundamental de sua composição. E esses dias perfeitos se entrelaçam com os dias imperfeitos, numa trama do tempo, imprevisível ou improvável.

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