O centro de Belo Horizonte passou a ser um mistério pra mim. Em um passado que ainda consigo ver pelo retrovisor, as ruas apinhadas eram um ambiente absolutamente íntimo, experimentadas com a vulgaridade de quem fazia delas seu cotidiano. Conhecia os códigos, reconhecia os cheiros, dividia com cumplicidade o espaço naturalmente rotativo, acatava com submissão o tempo que no entorno da praça Sete tem outro tipo de andamento e que impõe um ritmo cardíaco exclusivo.
Na véspera do último Natal, em uma aventura que misturou calor, ressaca e pressa, eu me dei conta de que não é mais assim. Humilhada, tive que ser guiada pelo desembaraço da Edivânia para não correr o risco de me perder pra sempre no mundo dos outros.
Antes de tudo, de onde vem tanta gente? Pra onde vai tanta gente? No centro da cidade, a impressão é a de que todo mundo vai de um lado para o outro com um objetivo, um propósito, uma intenção imune às distrações. Ciente dessa condição, quem está ali para ganhar a vida tem que se esforçar muito para convencer o outro a desviar do seu foco, o que geralmente significa fazer muito barulho.
Na semana em que uma multidão corria louca atrás de presentes, mimos, lembrancinhas, escutei na rua Tamóios uma música que não mora nem na playlist democrática do meu filho do meio, fui fisgada na esquina da Rio de Janeiro com Caetés por um vendedor armado com um microfone opressor, uma sequência de buzinas me lembrou que faixa de pedestres é luxo demais onde a impaciência tem endereço fixo. Sem contar a onipresente, onipotente, onivalente Simone com seu “Então, é Natal”, que incrivelmente resiste a tudo, até ao terremoto que foi 2016.
Na minha frente, como um batedor incumbido de abrir caminho para quem acredita que a interação pode tornar a sociedade mais cordial, Edivânia me lembrava que, no centro, o importante é não parar, andar sempre em zigue-zague e não entender um esbarrão como uma ofensa que exige pedido de desculpas.
Não fui atropelada por um triz, abasteci o corpinho com dois pães de queijo e um refresco por R$ 6, comprei muito mais que o planejado quando saí de casa, esqueci uma sacola no balcão de uma loja, fui alcançada pelo moço esbaforido com minha sacola na mão. Em casa, lamentei ter tão pouca vida dentro do carro que me leva pra lá e pra cá.