Das saudosas aulas de história, recordo muita coisa. Achava o máximo descobrir o que nos trouxe até aqui. E, de fato, é incrível notar como uma sucessão de erros e acertos moldam uma sociedade e, tempos depois, se repetem. Também está vivo na minha memória o completo desprezo quanto à presença do povo africano nas páginas daqueles livros didáticos. Material esse que se propunha a nos contar nossas origens.
Em uma sala majoritariamente negra de uma escola pública do interior de Minas Gerais, professores palestravam sobre feitos de brancos. E, assim, fui apresentada aos nossos “heróis” e aos nossos algozes, a depender do fato narrado. Nas aulas de ensino religioso, também aprendi sobre o cristianismo, com crenças que sigo até hoje. Sobre as religiões de matrizes africanas? Não li nenhuma linha naquela época. Elas não faziam parte da base curricular e nunca foram cobradas em provas.
Sim, desde aquelas aulas na minha São João Del-Rei até hoje, muitos anos se passaram. Mas sabe o que praticamente não mudou? A ignorância quanto a cultura negra nas salas de aula. Um problema tão crônico que até leis federais (10.639/2003 e 11.645/2008) foram criadas para tentar mudar essa realidade. As legislações tornaram obrigatório o ensino da história africana nas escolas públicas e privadas no Brasil. Uma condição básica para um entendimento da formação do povo brasileiro. Mas, mesmo assim, são poucos os estudantes que têm a sorte de conhecer a cultura afro. É como se a única participação da negritude na história tivesse sido arrastando as correntes da escravidão. E, detalhe: a temática normalmente é abordada com mais intensidade só no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, por uma mera “imposição” do calendário.
E, como quem não estuda não aprende, visões equivocadas sobre elementos relacionados à negritude foram enraizadas. Em casos mais extremos, culminando em violência. O não entendimento das religiões de matrizes africanas, por exemplo, justifica ataques a terreiros e símbolos dessa religiosidade. As oferendas religiosas, pejorativamente chamadas de “macumbas”, chegam a causar pavor em algumas pessoas. É normal temer o que não se conhece. O que não é aceitável é hostilizar o que não se compreende. E aqui, neste ponto, eu te pergunto: se nossas escolas nos ensinassem o básico sobre a cultura e a religiosidade afro, será que não conviveríamos mais em paz? Se a colaboração de negros na construção do país fosse evidenciada nos livros didáticos, o preconceito não seria menor no país? Eu acho que sim, apesar de que a resposta exata só teremos quando tirarmos as leis que citei anteriormente do papel.
Em Belo Horizonte, há uma nova tentativa de avanço neste sentido. O bloco carnavalesco afro Angola Janga vai lançar neste mês o livro “Agbara do Angola Janga: Memória, Cultura e Educação”, de autoria de Nayara Garófalo, a cofundadora do bloco.
O material, que foi realizado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, vai ser integralmente distribuído entre as escolas públicas municipais e bibliotecas da capital. E é mais do que um livro. O material conta ainda com vídeos para que possa ser trabalhado em aulas virtuais.
Nas páginas que tive o prazer de folhear, a história do bloco se mistura com explicações sobre termos africanos. No final, o material traz ainda propostas didáticas com ideias de como tratar de forma lúdica a questão da negritude em salas de aula. Um projeto que traz música, cultura, história e que, a meu ver, é um grande passo contra o preconceito.