REPRESENTATIVIDADE

Nem tudo é racismo, mas respeito é bom

Quando os competidores BBB usam o racismo para justificar ações reprováveis, eles abrem espaço para que as pessoas fiquem em dúvida sobre o conceito


Publicado em 19 de fevereiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Em um dia qualquer, ouvi um grito: “ô negão”. Olhei para o lado e vi um grupo de amigos que se divertia em um jogo de futebol amador. E lá estava o tal negão com um sorriso nos lábios, provavelmente por ter feito uma boa jogada. Um outro dia, também em um jogo, um grito idêntico foi o estopim para uma briga generalizada, com direito a xingamento de mãe e um amplo repertório de palavrões. Em um canto, um homem esbravejava que não era racista. Do outro, um rapaz avaliava se iria chamar a polícia. “Não dei intimidade para ele falar comigo desse jeito”, justificava. 

Conto essas duas histórias para tentar tirar uma dúvida de um internauta, que comentou em uma das minhas colunas. Ele questionou como seria a forma mais certa de tratar uma pessoa negra para “não ser preso por racismo”. A dúvida faz sentido num momento em que a luta antirracista vem sendo desqualificada em função das atitudes de alguns participantes do “Big Brother Brasil” (“BBB”), da Rede Globo. 

Quando os competidores daquele jogo usam o racismo para justificar ações reprováveis, eles abrem espaço para que as pessoas fiquem em dúvida sobre o conceito. E, sim, muitos passam a ver qualquer debate sobre preconceito como “mi-mi-mi”. 

Tenho que concordar aqui que nem tudo é preconceito. É preciso relativizar. Entretanto, preciso lembrar que alguns atos são vistos como comuns por causa do racismo estrutural. Crescemos ouvindo certas expressões e comentários, muitos deles preconceituosos. E esses atos têm sido replicados de geração em geração. Por isso, é preciso uma reflexão para que certas atitudes que rebaixam os negros não sejam propagadas pelos próximos anos. 

Voltando ao caso contado no início, uma mesma fala pode ser preconceituosa ou não. Depende do contexto em que ela foi usada, do tom aplicado, a quem foi direcionada e por quem foi dita. No primeiro exemplo, tudo indica que “negão” é o apelido daquele rapaz, que estava entre amigos e não se sente ofendido em ser chamado assim. É como um código de conduta entre aqueles amigos.

Já quando uma pessoa que não tem intimidade com a outra se sente à vontade de apelidá-la, passa a ser desrespeitoso. É fácil entender transportando para si a situação. Se você for uma pessoa baixa, gostaria de ouvir de alguém aleatório o seguinte: “Tampinha, solta essa bola”? Imagino que não. Agora, e se você ainda vivesse em um país onde pessoas baixas são marginalizadas, vistas como inferiores em alguns contextos ou até humilhadas pela estatura? Ficaria mais grave ainda, não ficaria? Com esse exemplo fica mais evidente uma coisa simples: o que se busca é o respeito. 

Voltando à dúvida do internauta, quanto à possibilidade de ser tachado de racista, o segredo é fazer com o outro o que gostaria que fizessem com você. Racismo é crime, assim como a difamação. E todo mundo já sabe que não pode sair falando o que quiser sobre o outro porque pode ser acusado de “difamador”. Foi um conceito já bem assimilado. Precisamos fazer o mesmo com o racismo. Antes de dizer algo ofensivo a alguém, pense. Independentemente se for direcionado a um negro ou branco. Lembre-se de que do outro lado existe uma pessoa, como você. E, caso “pise na bola”, sem querer, o diálogo é sempre a melhor saída. Explique para a pessoa que fez por desconhecimento e se retrate. É uma boa oportunidade, inclusive, para crescer como ser humano.

Agora, caso a ofensa tenha sido proposital, aí, sim, a prisão e tudo o que a lei garante é o mínimo que eu te desejo. Apesar de saber que, infelizmente, a impunidade pelo crime de racismo é alta no país.

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