Das cidades mineiras, 143 com menos de 10 mil habitantes registraram gastos milionários com shows nos últimos cinco anos, de acordo com dados do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). Levantamento feito por O TEMPO a partir das informações do órgão mostram que, juntos, os 143 municípios totalizam mais de R$ 221 milhões de gastos com apresentações musicais - quase ¼ dos R$ 940 milhões empenhados em todas as 853 cidades do estado de 2020 a 2024.

A soma considera as prefeituras que destinaram mais de R$ 1 milhão cada. As dez primeiras cidades que integram a lista (São Vicente de Minas, Augusto de Lima, Nazareno, Indianópolis, Monsenhor Paulo, Alvorada de Minas, Gurinhatã, São Romão, São João do Pacuí e Orizânia) somam quase R$ 35 milhões de gastos com shows artísticos.

Com mais de R$ 4,8 milhões para realização de 19 shows ao longo dos últimos anos, São Vicente de Minas, localizada na região do Sul de Minas, lidera o ranking. A cidade conta com cerca de 6,6 mil habitantes. Metade dos gastos se concentrou em 2024, quando foram destinados cerca de R$ 2,4 milhões. Além disso, foram gastos R$ 1,9 milhão em 2023 e R$ 380 mil em 2023. Por conta da pandemia da Covid-19, a cidade não destinou recursos para shows em 2021 e, em 2020, o valor foi de R$ 50 mil. Dos artistas contratados pela Prefeitura de São Vicente de Minas, o cantor Gusttavo Lima foi o que mais recebeu: R$ 1,2 milhão para realização de um show em 2024.

São Vicente de Minas é seguida por Augusto de Lima, na região Central do estado. Com pouco mais de 4,5 mil moradores, a cidade desembolsou mais de R$ 4,7 milhões para 27 artistas. Do total, cerca de R$ 2,1 milhões foram gastos com shows em 2024. Em 2023, foram R$ 1,7 milhão, em 2022, R$ 852 mil, e em 2020, R$ 82 mil.

A terceira cidade na lista é Nazareno, também na área Central de Minas, com cerca de 8,1 mil habitantes. De 2020 a 2024, a cidade gastou R$ 4,5 milhões nos eventos musicais, contratando o total de 36 artistas.

Gastos com shows podem gerar arrecadação, mas devem ser calculados

A realização de atividades econômicas nas cidades, como shows musicais, podem gerar efeitos multiplicadores, ou seja, cada real gasto se multiplica e reflete na arrecadação municipal, conforme o doutor em Economia e sócio da Apó Territorial, Weslley Cantelmo. De acordo com o especialista, existem, por outro lado, fatores que podem limitar esses efeitos, em especial, em cidades pequenas. Isso porque a arrecadação vem da economia formal, ou seja, se o município possui hotéis e restaurantes, por exemplo, os eventos vão trazer retorno financeiro na forma de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Além disso, as apresentações podem, também, trazer impactos indiretos, como na economia informal por meio de ambulantes, barracas de vendedores, entre outros profissionais, que acabam ganhando alguma renda.

“É muito provável que gere, sim, esse efeito multiplicador e que leve ao aumento da arrecadação do município. No entanto, desde que o município tenha essa estrutura para recepcionar esse consumo potencial. Então, se o município não tem hotel nenhum ou restaurantes, esse efeito vai ser diluído para os municípios vizinhos, muito provavelmente. Para a economia regional, não deixa de ser bom, mas para o município em específico, talvez tenha lá suas limitações nessa captura de receita”.

Como explicado por Cantelmo, os recursos desembolsados para os shows devem ser calculados considerando esses efeitos multiplicadores que podem causar retorno às cidades. Caso o investimento não corresponda ao esperado de arrecadação, o evento pode refletir na própria saúde financeira do município.

“A grande questão é que, na frágil estrutura de planejamento da maior parte desses municípios, essas contas não são feitas. Não é feita essa análise de uma maneira muito clara, muito precisa”, explica. “Isso vai depender muito caso a caso e até mesmo da regularidade desse processo. Se estiverem envolvidas outras benesses como subvenções, ou seja, deixar de cobrar alguns tributos do evento, favorecimentos, entre outros pontos, aí prejudica a saúde financeira”.

Professor do Instituto de Ciências Gerenciais e Econômicas da PUC Minas, Amaro da Silva Junior complementa que os gastos com shows são classificados como despesas discricionárias, o que significa que o gestor municipal pode escolher onde aplicar recursos, desde que ocorra uma contextualização sobre a situação financeira do ente federativo. Além disso, a legislação não limita gastos com este tipo de evento, porém, os mesmos devem estar previstos na programação orçamentária e financeira, de forma que haja informações de que a cidade tenha condições de arcar com os custos e atender com qualidade as demais áreas, como educação e saúde.

“Realmente, a difusão cultural, em especial shows com artistas famosos, gera movimentação de recursos econômicos, empregos temporários e renda eventual, porém, o efeito positivo tem de ser comparado com o recurso despendido para o evento, muitas vezes desproporcional e sem garantia de ganho social”, diz o especialista. “Não tenho dúvidas que shows exclusivamente pagos pelo ente público comprometem a saúde financeira e, muitas vezes, contribuem para aumentar o endividamento a curto prazo, porque quita-se o compromisso com o artista e atrasa o pagamento de outros fornecedores em várias situações. O ideal é ajudar a promover o show nas cidades, ficando o patrocínio do evento financiado pela iniciativa privada, ou seja, eventos em parceria com ganhos sociais e econômicos”, aponta o professor.

Confira as dez cidades com menos de 10 mil que mais gastaram com shows entre 2020 e 2024.

  1. São Vicente de Minas (6.669 habitantes): R$ 4.818.500,00
  2. Augusto de Lima (4.507 habitantes): R$ 4.738.000,00
  3. Nazareno (8.192 habitantes): R$ 4.591.000,00
  4. Indianópolis (6.104 habitantes): R$ 3.684.000,00
  5. Monsenhor Paulo (8.336 habitantes): R$ 3.363.500,00
  6. Alvorada de Minas (4.065 habitantes): R$ 3.283.500,00
  7. Gurinhatã (5.140 habitantes): R$ 2.964.500,00
  8. São Romão (9.783 habitantes): R$ 2.676.500,00
  9. São João do Pacuí (3.884 habitantes): R$ 2.436.999,99
  10. Orizânia (8.451 habitantes): R$ 2.422.250,00

A reportagem de O TEMPO procurou as prefeituras das dez cidades com mais gastos para um posicionamento e aguarda retorno. Tão logo elas respondam, a matéria será atualizada.

Em nota, a Prefeitura de Monsenhor Paulo informou que a contratação de Eduardo Costa para a Festa de Peão da cidade seguiu os parâmetros da Lei de Licitações. Além disso, o valor de R$ 400 mil pago ao cantor foi baseado em pesquisa de mercado, considerando contratações recentes do artista.

"Destacamos ainda que a Festa de Peão de Monsenhor Paulo é um evento tradicional e filantrópico, que em 2024 arrecadou mais de 12 toneladas de alimentos e R$ 540.000,00 por meio do Concurso da Rainha do Rodeio. Todos os recursos e donativos arrecadados foram destinados às entidades assistenciais do município, reafirmando o compromisso da administração pública com a responsabilidade social e a solidariedade", completa a administração municipal. "Por fim, reiteramos que a Prefeitura preza pela transparência e pelo cumprimento das normas legais em todas as suas ações, colocando-se à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais."