Minas Gerais está gastando mais do que poderia com o pagamento de salários e auxílios com pessoal. O estado e o Rio Grande do Norte foram as únicas unidades da federação que não conseguiram cumprir a determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), nos primeiros quatro meses do ano. Os números dão peso ao argumento do governo que diz que não pode aumentar mais o salário de servidores e exigem que uma solução seja encontrada rapidamente para evitar possíveis punições.
Os dados são do relatório Relatório de Gestão Fiscal (RGF), com dados do 1º quadrimestre de 2024, divulgado pelo Tesouro Nacional. A administração estadual gastou 50,3% de sua arrecadação no período que arrecada com o pagamento de pessoal. O limite previsto na legislação é de 49%. O percentual alcançado pelos mineiros só não é maior do que o gasto no Rio Grande do Norte, que gastou 56,86% e lidera o ranking.
O resultado faz com que Minas chegue ao 4º quadrimestre consecutivo ultrapassando o limite determinado na LRF e coloca o Estado em situação de alerta. O professor do Ibmec, Leonardo Spencer, lembra que, em 2018, Minas Gerais alcançou a mesma sequência e precisou adotar restrições para contratação de novos servidores. “Depois de estourar o limite, os Estados têm os próximos dois quadrimestres para se adequar ao limite posto no art. 20 da LRF. É como se fosse uma recuperação”, explica. “Enquanto não adequar, o Estado estará sujeito às restrições”.
A advogada Maria Fernanda Pires, doutora em direito público e professora da Puc Minas, destaca que as consequências para o Estado podem ser graves e comprometer ainda mais o fluxo de recursos nas contas mineiras.
“Entre as consequências previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal estão a proibição de concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração (dos servidores); proibição de criar novos cargos; de alteração estrutura de carreiras que implique aumento de despesa; de provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título; e de contratação de hora extra”, explica.
Em 2022, o Estado encerrou as contas cumprindo as determinações da legislação. No 1º quadrimestre de 2023 o índice foi de 49,3%; no 2º quadrimestre daquele ano foi de 49,6%; no último quadrimestre do ano passado houve um pico de 51,3%, até chegar aos 50,3% de gastos com pessoal em relação às receitas líquidas, alcançado no primeiro quadrimestre deste ano.
O governo de Minas reconhece preocupação com a situação e diz que tem buscado soluções com adoção de medidas para modernizar a gestão e economizar gastos.
“Prova do esforço da atual gestão para equalizar as contas públicas é que as despesas de pessoal comparadas à Receita Corrente Líquida (RCL) saíram de 66,65% de comprometimento em 2018, no governo anterior, para os atuais 50,37%, conforme último relatório fiscal publicado. Ainda que este valor esteja acima do limite prudencial (49%) da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a redução de 16,28% do comprometimento com as despesas de pessoal demonstra o esforço da atual administração para alcançar o equilíbrio financeiro”, responderam em nota.
Para a professora Maria Fernanda, o governo tem razão de se preocupar. “Para o governador, pode se configurar ato de improbidade administrativa punida nos termos da Lei 8.429 e até mesmo gerar inelegibilidade”, destaca.
Os resultados ruins confirmados pelo Tesouro Nacional servem como argumento para o governo do Estado justificar a ausência de reajustes maiores aos servidores públicos. Durante o embate travado com a oposição, no último mês na Assembleia, essa foi a fala principal do governo gestão Romeu Zema (Novo) para barrar um reajuste salarial que fosse além de cobrir as perdas inflacionárias do último ano.
“Reforçamos que as definições de atualizações dos vencimentos dos servidores do Estado dependem de equilíbrio financeiro que garanta a disponibilidade de recursos em caixa, sendo objeto de estudos permanentes por parte do Executivo”, diz a nota do governo.
Apesar das dificuldades, a administração estadual ressalta que tem buscado caminhos para garantir reajustes. “Em 2022, após mais de dez anos sem revisão geral dos salários do funcionalismo, o governo autorizou a atualização de 10,06% nos vencimentos de todos os servidores do Executivo. Neste ano, em 2024, também foi concedido reajuste de 4,62% para o funcionalismo público estadual”.
Justificativas
Em nota, o governo de Minas Gerais disse que dois fatores pesaram para o desequilíbrio das contas mineiras nos últimos quadrimestres. Uma das variáveis seria a criação e reajuste de pisos salariais de algumas categorias, promovidos pelo Congresso Nacional e pelo governo federal, que acabaram afetando as contas do Estado. A outra seria a redução de tributos que impactam as receitas mineiras.
“É uma despesa incomprimível e impactada por fatores que não dependem da decisão do governo, como a fixação de novos pisos salariais nacionais para determinadas categorias. Um exemplo recente é a necessidade de aplicação de reajuste, em 2023, de 12,84% no vencimento dos professores da Educação Básica (Lei 24.383/2023), para cumprir o Piso Nacional da Educação, aprovado pelo Governo Federal, e que acarretou um impacto de R$ 2,4 bilhões na folha do Governo de Minas”, destaca.
Em relação à diminuição de receitas, o governo mineiro destaca a redução dos tributos cobrados sobre combustíveis e energia, adotado em 2022, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para conter a alta de preços.
“A arrecadação estadual foi recentemente bastante afetada pelos efeitos das Leis Complementares 192 e 914, que alteraram as alíquotas de ICMS dos combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, e impuseram perdas severas na arrecadação dos estados e municípios. Apenas em 2023, Minas Gerais deixou de arrecadar R$ 8,6 bilhões devido às mudanças na legislação”, afirma.
Dívida no limite
Apesar da dívida alta, na casa dos R$165 bilhões só com a União, de acordo com o governo mineiro, a situação ainda não ultrapassa o limite legal, de acordo com o Tesouro Nacional, mas está próximo do aceitável. A legislação permite que as administrações estaduais gastem duas vezes o valor da Receita Corrente Líquida (RCL), o equivalente a 200%. Minas gasta 157% e tem o segundo maior endividamento do país, atrás apenas do Rio de Janeiro, com 192% de endividamento.
O estado fluminense aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em 2022, com a expectativa de ver a solução de suas dívidas com a União, maior peso dentro do endividamento total, solucionado, mas ainda não teve sucesso.
Minas Gerais não tem pago as parcelas desta dívida, por força de uma liminar. Mas o Supremo Tribunal Federal já determinou que o julgamento começa em 28 de agosto. Em jogo está a obrigatoriedade do estado em retomar os pagamentos ou aderir ao RRF. Até lá, o governo mineiro, numa iniciativa liderada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), negocia mudanças na lei que permitam uma solução real para os estados devedores.
Despesas com aposentados
O relatório do Tesouro Nacional também mostrou o percentual gasto por cada estado com servidores ativos e inativos. Minas é o estado que tem maior gasto com aposentados, na comparação com os servidores em atividade. Considerando o total com pessoal, 43% vão para os servidores inativos enquanto 57% ficam com os ativos. A única unidade da federação que gasta menos do que os mineiros com servidores ativos é o Rio de Janeiro, com 55% com este grupo de servidores.