A comunidade acadêmica da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) solicita o arquivamento do projeto de lei que prevê a federalização da instituição, como parte do plano para adesão do Estado ao Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados junto à União (Propag). Em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta terça-feira (1° de julho), estudantes, docentes e servidores lotaram o auditório José Alencar e a área externa da Casa para pressionar a gestão de Romeu Zema (Novo) para retirada do texto de tramitação na Casa.

Na ocasião, a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia também aprovou um requerimento para solicitar a medida ao governo de Minas, representado no encontro pelos secretários de Estado de Fazenda, Luiz Cláudio Fernandes Lourenço Gomes; de Planejamento e Gestão, Sílvia Caroline Listgarten Dias; e de Educação, Igor Icassati Rojas. Estavam presentes na audiência caravanas da comunidade acadêmica da Uemg de diferentes cidades mineiras, como Ituiutaba, Divinópolis, Frutal, Abaeté, Araguari, Diamantina, João Monlevade, Leopoldina, Ubá, Cataguases, Barbacena, Carangola, Campanha, Poços de Caldas, Passos, Ibirité, além de Belo Horizonte.

Em sua fala, o presidente da Associação dos Docentes da Uemg (Aduemg), Túlio Lopes, lembrou que o governo federal afastou a ideia de federalizar a instituição. Como noticiado em junho por O TEMPO, enquanto o Ministério da Educação (MEC) diz que, “no momento, não há previsão de federalização da instituição”, o Ministério da Fazenda afirmou que o decreto que regulamenta o Propag “não trata de federalização de universidades, e sim de transferência de bens móveis e imóveis para abatimento de dívidas dos Estados que aderirem ao Propag”. 

“A nossa comunidade universitária repudia essa atitude do governador de incluir a Uemg no Propag. No projeto de lei complementar (do Propag), não está prevista a possibilidade de federalização de autarquias. Terá que fazer um remendo no próprio projeto do governo federal e também não há uma posição do governo federal, nem do Ministério da Educação, nem da Secretaria de Tesouro Nacional, favorável à federalização da Universidade do Estado de Minas Gerais”, diz Túlio Lopes. “Trata-se de uma mentira mesmo, de uma farsa que está sendo colocada, porque não há proposta objetiva de federalização da Uemg. Não consta no Plano Nacional de Educação nenhuma proposta de federalização, bem como a própria Constituição Federal não abarca a possibilidade de servidores estaduais serem transformados em servidores federais.”

Conforme Lopes, o pedido da comunidade acadêmica é, justamente, pelo arquivamento do projeto. A fala foi reforçada por estudantes, professores e servidores, que, em diversos momentos do encontro, entoaram o coro “arquiva”.

A reitora da Uemg, Lavínia Rodrigues, classificou o projeto de federalização como um “desrespeito” à instituição, considerando sua evolução e presença no Estado de Minas Gerais. Como lembrou a reitora, dos 853 municípios mineiros, a universidade atende pessoas de 429, entre estudantes e servidores.

“Eu não consigo entender por que um governo, com o investimento que aconteceu na nossa universidade, quer abrir mão desta universidade que cresceu, que hoje tem mais de mil professores de carreira, que tem 21 mil estudantes, que tem servidores. Eu realmente não entendi o porquê desse PL. É uma provocação?”, questionou.

Ainda segundo Lavínia, para entrega do patrimônio da universidade, por exemplo, são necessárias autorização legislativa e anuência do conselho universitário, de acordo com as constituições Federal e Estadual. Por ser uma autarquia especial, a Uemg teria autonomia patrimonial.

“A gestão direta de bens imóveis é de responsabilidade da gestão da Uemg. Qualquer cessão, alienação, transferência, exigirá a anuência da universidade, através do seu conselho universitário", ressaltou.

Governo Zema afasta venda ou privatização da Uemg

O governo de Minas espera que a transferência da instituição poderia abater R$ 500 milhões da dívida com a União, que está em cerca de R$ 165 bilhões. A intenção de Zema, além de entregar os imóveis da Uemg, é oferecer para a União a gestão da instituição. Conforme o vice-governador Mateus Simões (Novo), em reunião de apresentação dos projetos para adesão de Minas ao Propag, em maio, caso apenas os imóveis fossem oferecidos, a universidade acabaria. “Se eu federalizo, eu não prejudico os alunos e os professores passam a fazer parte de uma carreira federal”, argumentou Simões na ocasião.

Durante a audiência pública, a secretária de Planejamento e Gestão, Sílvia Caroline Listgarten Dias, afastou a possibilidade de “venda” ou “privatização” da instituição. Entretanto, assim como o secretário de Fazenda, Luiz Cláudio Fernandes Lourenço Gomes, ela reforçou a necessidade de federalização, ou seja, transferência da gestão para a União, para abatimento da dívida, atualmente em cerca de R$ 165 bilhões. A intenção do Estado é conseguir quitar 20% do valor ao entrar no Propag, de forma que os juros do programa sejam zerados.

Além disso, o argumento do governo de Minas é que, com a federalização, os investimentos na universidade possam ser ampliados.

“De forma alguma se fala em venda de universidade. De forma alguma se fala em privatização de universidade. A Uemg é pública, a Uemg permanecerá pública. O ensino superior é uma competência não só estadual, mas federal. E nós temos hoje um Estado que não tem condição de investir muito”, diz Silvia. “Precisamos entender que o investimento é sempre necessário e exponencial para que a gente consiga realmente dar condição que a Uemg merece, de desenvolvimento pleno.”

O deputado estadual, Cássio Soares (PSD), líder do bloco Minas em Frente, da base do governador Romeu Zema, reforçou a necessidade do Propag para abatimento da dívida de Minas com a União. Apesar disso, o parlamentar se posicionou contra à tramitação do projeto de federalização da Uemg.

“Nesse momento, a nossa responsabilidade nos impõe a dar condições para que o governo de Minas Gerais possa aderir ao Propag, dando em ativos os 20%. Dentre esses 20%, não será a Universidade do Estado de Minas Gerais”, afirmou.

Comissão pede retirada de projeto de tramitação

Durante a audiência pública, a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG também aprovou um requerimento, a ser encaminhado ao governo de Minas, para solicitar a retirada do projeto de tramitação da Casa Legislativa. De acordo com a presidente do colegiado, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), o regimento interno da Assembleia prevê a possibilidade de arquivamento de textos por iniciativa dos próprios autores. No caso da matéria sobre a federalização da UEMG, é o Executivo estadual.

“Seria muito correto se o governo de Minas entendesse a importância da Uemg, parasse de atacá-la com essa falsa tentativa de privatização e nos respondesse fazendo a retirada da tramitação do projeto da Assembleia. Caso o governo não tenha essa sensibilidade e, de fato, insista nessa pauta de destruição da universidade, nós da comissão continuaremos a atuar”, afirma.

Na suplência da vice-presidência da comissão, a deputada Lohanna França (PV) reforçou a intenção da oposição de buscar o arquivamento do texto. Durante sua fala, a parlamentar chegou a questionar onde ocorreria o funcionamento da instituição caso o governo Zema entregue os imóveis da universidade à União.

“Estou fazendo um pedido público de retirada do projeto de pauta. A União já disse que não vai aceitar a Uemg. Não cabe mais esse projeto. Não existe eu passar um carro para o seu nome se você não quer o carro, quanto mais uma universidade. Não faz o menor sentido”, diz a parlamentar. “Se entregarem os prédios de Divinópolis, de Passos, de Frutal… Onde esse povo vai ter aula? Na loja Zema?”, pontuou.

Paralisação 

Em outra frente de pressão para arquivamento do projeto, os professores da Uemg paralisam as atividades nesta terça em 22 unidades da instituição. Na parte da tarde, haverá uma assembleia geral da Aduemg no Espaço Democrático da ALMG. Simultaneamente, será realizada uma reunião dos funcionários técnico-administrativos e analistas da Uemg e uma assembleia geral dos estudantes da instituição. A partir das 17h, a comunidade acadêmica também irá realizar uma manifestação, que partirá da praça da Assembleia até a praça da Liberdade, na região centro-sul de Belo Horizonte.  

Nova audiência 

A federalização da Uemg será tema de uma nova audiência pública nesta quarta-feira (2 de julho), na Câmara Municipal de Belo Horizonte, a partir das 9h15. O encontro será promovido pela Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, atendendo a requerimento dos vereadores Dr. Bruno Pedralva (PT) e Jhulia Santos (Psol).