O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou criminalmente dois advogados mineiros por estelionato, patrocínio infiel (trair a confiança do cliente) e lavagem de dinheiro devido à atuação em um esquema de fraude processual contra a Sempre Editora. Conforme conclusão da 12ª Promotoria de Justiça da Comarca de Belo Horizonte, a dupla teria agido de maneira coordenada contra a empresa ao manipular ações trabalhistas com pedidos de equiparação salarial “sabidamente descabidos” para, depois, dividirem os honorários. A estimativa é que a fraude poderia ter gerado prejuízo de R$ 18,3 milhões, caso as sentenças não tivessem sido suspensas pela Justiça.
A denúncia, assinada pela promotora Andréa Bahury, é baseada no inquérito da Polícia Civil encaminhado ao Ministério Público no fim de maio. O relatório indica que os advogados teriam fraudado ao menos sete processos trabalhistas entre os anos de 2016 e 2019. Um dos acusados é Marcos Antônio de Jesus, que atuava como advogado de defesa da Sempre Editora. Ele teria agido em conluio com seu amigo pessoal, Marcelo da Costa e Silva, que, por sua vez, representava ex-funcionários do grupo dispostos a acionar a Justiça por algum tipo de queixa trabalhista.
Conforme o documento, o modus operandi dos denunciados era sempre o mesmo: ao ajuizar ações em nome de algum ex-funcionário da empresa, Marcelo convencia o cliente a incluir entre as solicitações pedidos de equiparação salarial com trabalhadores cuja remuneração era muito superior à dos requerentes. Como advogado de defesa da Sempre Editora, Marcos Antônio, por sua vez, deixava de contestar o pedido de equiparação salarial, levando a Justiça do Trabalho a interpretar, erroneamente, que a empresa estava concordando com aquela solicitação.
O caso foi descoberto após uma auditoria sobre os processos, solicitada pela Sempre Editora em 2022, identificar os indícios de fraude. Naquele mesmo ano, a empresa ingressou com uma notícia-crime contra os suspeitos, o que levou à suspensão das sentenças.
Para a promotora Andréa Bahury, as evidências mostram que Marcos Antônio “omitia-se dolosamente em apresentar a impugnação” dos pedidos de equipação salarial. Além disso, a representante do Ministério Publico ressaltou, na denúncia encaminhada à Justiça na terça-feira (8/7), que “ambos traíam o patrocínio das causas, de modo a ensejar a condenação da Sempre Editora, em razão da revelia, com a finalidade de obtenção de condenações vultosas em desfavor da empresa vítima, objetivando auferir vantagens econômicas em proveito comum”.
Impacto nas sentenças
Documentos anexados à denúncia do Ministério Público revelam como as fraudes processuais teriam inflado os valores das sentenças proferidas em favor dos ex-funcionários. Em apenas uma delas, por exemplo, a indenização determinada pela Justiça foi de R$ 5,2 milhões. Em outro caso, foi definido o pagamento de cerca de R$ 3,5 milhões a um ex-funcionário. Entretanto, cálculos apresentados nos autos revelam que, se desconsiderada a equiparação salarial, o valor da sentença deveria cair para cerca de R$ 186.000.
Para o Ministério Público, as evidências coletadas pela Polícia Civil não deixam dúvida que os dois advogados cometeram sete vezes os crimes de estelionato, patrocínio infiel e lavagem de dinheiro contra a empresa.
No caso de Marcos Antônio, ainda há o indiciamento pelo crime de falsidade ideológica em um dos sete casos, uma vez que ele teria usado indevidamente o token de assinatura digital e a senha do escritório de advocacia ao qual era vinculado para incluir no sistema eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-3) um falso documento de desistência de recurso processual que havia sido apresentado pela Sempre Editora.
Suspeito comprou apartamento e carro
Os advogados acusados de fraude processual contra a Sempre Editora teriam usado a conta bancária da mãe de um deles para movimentar cerca de R$ 118.000 obtidos ilicitamente, destaca a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O dinheiro teria origem, provavelmente, no adiantamentos de honorários pagos pelos ex-funcionários nas ações trabalhistas movidas contra a empresa.
A quebra do sigilo bancário dos suspeitos revelou que a mãe de Marcos Antônio de Jesus, então advogado de defesa da Sempre Editora, teria sido usada como “laranja” no esquema da dupla. Ela recebeu em sua conta vários depósitos feitos por Marcelo da Costa e Silva. Segundo a denúncia do MPMG, o envio do dinheiro ocorria “sem causa lícita aparente” e “em verdade, se destinava ao denunciado Marcos Antônio”. Para a promotora, as provas “evidenciaram a estruturação de rede de ocultação patrimonial típica do crime de lavagem de dinheiro”.
Ainda conforme a denúncia enviada à Justiça pelo Ministério Público, a ex-mulher de Marcos Antônio revelou, em depoimento aos investigadores da Polícia Civil, que, no período em que as fraudes ocorreram, o advogado teria comprado “apartamento, carro importado, além de lojas e reformas na residência de sua mãe”.