Apesar de já ter conseguido a aprovação de cinco projetos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) com a União, o governo de Romeu Zema (Novo) ainda tem o desafio de avançar com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que derruba a exigência de referendo popular para a privatização de estatais mineiras. O texto já foi obstruído em três reuniões da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pela oposição, que questiona a necessidade da PEC para entrada no Propag, enquanto a base do governador defende que a matéria facilitaria o processo para abatimento da dívida de Minas com a União – atualmente, em cerca de R$ 165 bilhões.

Líder da minoria na ALMG, o deputado Cristiano Silveira (PT) enxerga a PEC do referendo popular como um “oportunismo” por parte da gestão Zema dentro das discussões para a adesão ao Propag. Ele explica que há uma expectativa em torno da avaliação da Codemig, que poderia abranger os 20% de abatimento da dívida para entrada do Estado no programa, evitando, assim, a venda das demais estatais, como a Cemig e a Copasa. Para o parlamentar, o argumento do “tempo” para adesão ao Propag seria um “perigo” para o futuro das estatais.

“Lá na frente, mesmo que não precise abrir mão de Copasa e Cemig, ele (o governo) passa a ter um instrumento constitucional que tirou o direito do povo mineiro de decidir o que quer que seja feito com o seu próprio patrimônio”, disse Silveira.

De acordo com o deputado Professor Cleiton (PV), a oposição buscará, o tanto quanto possível, obstruir a tramitação da PEC que retira o referendo popular na Casa. A expectativa é que consiga barrar o avanço, considerando que, para aprovação do instrumento na ALMG, ainda é necessário que o texto passe por uma comissão especial e, ao chegar ao plenário, tenha 48 votos favoráveis (três quintos dos membros da Assembleia).

“Nesse período, há a possibilidade de já termos uma sinalização do valor da Codemig e da Codemge, que a gente espera que atinja mais do que os 20% da dívida”, afirmou Cleiton. “(A PEC) é uma jogada, usam o Propag como forma de pautar a agenda privatista. Mas, enquanto tiver instrumento de obstrução, nós vamos usar”, completou.

Por outro lado, a base de Romeu Zema argumenta que o fim do referendo poderá agilizar o abatimento da dívida. O deputado estadual Cássio Soares (PSD), líder do bloco Minas em Frente, também acredita que a Codemig será suficiente para atingir os 20% que o governo procura. Entretanto, para ele, caso não baste, será necessário um “esforço maior” para atingir a meta para zerar os juros da dívida.

“Dessa maneira, nesse momento, o referendo causa a impossibilidade do uso dos ativos em uma eventual necessidade para o abatimento do Propag. Por esse motivo, não sou a favor do referendo, pois somos representantes eleitos pelo povo e temos legitimidade para tomar decisões importantes”, disse Soares.

O deputado estadual Arlen Santiago (Avante) também se posiciona pelo fim da obrigatoriedade do referendo. Mesmo que a medida seja “dura”, o parlamentar a considera “necessária” por causa do cenário fiscal “crítico”.

“Infelizmente, as alternativas disponíveis são limitadas. Ou adotamos medidas concretas para equilibrar as contas públicas, ou corremos o risco de retornar ao caos fiscal que marcou a gestão do governo Pimentel, com atrasos salariais de servidores, repasses suspensos a municípios e colapso em áreas essenciais”, declarou Santiago.

Cidadão pode perder direito de opinar

O referendo popular é uma forma de consulta ao povo para decidir sobre uma matéria específica, considerando as naturezas constitucional, legislativa ou administrativa. De acordo com a advogada especialista em direito público Maria Fernanda Pires, a autorização legislativa e o referendo popular para privatização de estatais ocorreram após “experiências traumáticas” com desestatizações na década de 1990.

Se por um lado a PEC que derruba o referendo facilita a adesão ao Propag, ao reduzir entraves e dar maior liberdade para organização do portfólio de ativos a serem repassados, por outro acaba reduzindo a participação do cidadão, conforme Maria Fernanda.

“A PEC rompe com a lógica da soberania popular direta sobre temas estratégicos e reduz esse papel da cidadania ou do chamado ‘controle social’ em decisões que afetam diretamente o interesse do cidadão, como energia, saneamento, gás; enfim, outros tantos interesses que o cidadão tem”, explicou a advogada.

Conforme o advogado especialista em direito público Bernardo Pessoa, o referendo foi imposto para tornar o processo de desestatização “mais complexo”. O texto de Minas prevê a consulta obrigatória nos casos de prestadoras de serviço público de gás canalizado, energia elétrica ou saneamento básico, ou seja, Gasmig, Cemig e Copasa.

“A ideia da inserção desse gatilho é impedir que tais empresas fiquem sujeitas a casuísmos políticos passageiros de governos”, disse Pessoa. De acordo com o especialista, caso haja a revogação do referendo da Constituição estadual, ainda será necessária a edição de lei específica autorizando a alienação/privatização da empresa pública, além da realização de leilão.

Privatizar seria uma escolha ‘política’

Para a advogada especialista em direito público Maria Fernanda Pires, revogar o referendo seria uma “escolha política”, considerando que a lei de adesão ao Propag prevê outras alternativas à federalização ou privatização de estatais, como a cessão de créditos, receitas de royalties, entrega de imóveis, entre outros. Desta forma, Maria Fernanda acredita que o cronograma do Propag, por si só, seria uma justificativa “simplista” para a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a exigência de consulta popular para vender estatais.

“O Propag exige a entrega de ativos avaliados, mas não dispensa necessariamente a participação popular. Há também que se pensar no sentido da proporcionalidade, porque há caminhos menos drásticos que preservariam esse controle social tão caro, dentro da Constituição”, disse Maria Fernanda.

Também especialista em direito público, o advogado Bernardo Pessoa concorda que a ideia de privatização da Cemig e da Copasa é mais “política” do que orçamentária. Para ele, é necessário ver o discurso do governo Zema com “cautela”, pois as empresas são estratégicas do ponto de vista econômico e social.

“A experiência nos mostra que a prestação de serviços públicos após privatizações tem a qualidade gravemente comprometida”, afirmou, complementando que o governo poderia, por exemplo, transferir parte da participação societária à União ou quitar a dívida por meio da receita obtida pelas próprias estatais.