Congresso

Abalada, relação de Lira e Pacheco pode afetar governabilidade

Falta de diálogo e trocas de acusações entres presidentes do Legislativo se intensificaram e podem gerar um rompimento definitivo

Por Marcelo da Fonseca
Publicado em 29 de novembro de 2021 | 05:00
 
 
 
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As divergências entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deixaram os corredores e salas de reuniões do Congresso Nacional para se tornarem públicas na última semana. Menos comuns do que as brigas entre os outros dois Poderes da República (Executivo e Judiciário), as disputas no Legislativo raramente ganham tanta visibilidade, e suas resoluções geralmente são feitas em acordos políticos a portas fechadas. Na avaliação de parlamentares e especialistas, será preciso um trabalho de negociação e muito diálogo para evitar um rompimento definitivo entre os dois presidentes das Casas Legislativas. 

O desencontro de planos e de interesses entre Lira e Pacheco começou a se desenhar no início do semestre, quando eles passaram a discordar da tramitação de algumas pautas. O primeiro sinal de fogo veio sobre a reforma política: o texto aprovado na Câmara, que previa a volta das coligações partidárias, foi criticado e derrubado no Senado Federal. Logo em seguida, em setembro, quando começaram as discussões sobre a reforma tributária, novo foco de incêndio surgiu entre os prédios vizinhos do Parlamento.  

Lira fez, então, a primeira cobrança pública, ainda sutil: “A Câmara está cumprindo seu papel em relação às pautas econômicas. O Senado precisa se posicionar também”. Pacheco rebateu dizendo que o Senado tem a preocupação de “se aprofundar nas matérias, de não ter açodamento”. “Cada um tem seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado, não significa que seja lento”, afirmou o presidente do Senado.  

Na semana passada, as divergências cresceram ainda mais. Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, Arthur Lira escancarou a insatisfação com o presidente da outra Casa Legislativa ao falar que acordos não foram honrados pelo Senado: “Nós tínhamos um acordo com relação ao projeto do Imposto de Renda que até hoje não foi honrado. Tínhamos até 15 de outubro para que o Senado apreciasse essa matéria e nós votássemos o Refis, numa troca de figurinhas. Eu vou votar o Refis, eu geralmente cumpro os meus acordos. 

O projeto do Imposto de Renda citado por Lira, que faz parte da reforma tributária, foi aprovado no início de setembro na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado. O texto prevê que a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física passe de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 e cria taxação de 15% para lucros e dividendos. O texto chegou ao Senado em setembro e ainda não foi pautado.  

Um dia após a fala de Lira, Pacheco rebateu e afirmou que seu “principal acordo é com a sociedade”. “Todos nós cumprimos nossos compromissos, eu tenho firmado um acordo com os senadores, que é de cumprir a Constituição, de cumprir de maneira democrática o trâmite dos projetos. O projeto do Imposto de Renda eu estou cumprindo fielmente o que eu me comprometi com os senadores, que é de submeter a eles, através da comissão de Assuntos Econômicos, uma reflexão que possa ter a participação de todos”, disse Pacheco.  

Ataques e denúncias marcou duelo Renan versus Cunha  

A última vez que uma disputa entre os presidentes do Poder Legislativo veio à tona gerou uma turbulência grave em Brasília. Apesar de serem correligionários do MDB, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e o então presidente do Senado, Renan Calheiros, trocaram acusações e ataques em 2015 sobre pacotes de projetos discutidos no Congresso. O pano de fundo era a divergência no MDB sobre o apoio ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), cada vez mais acuada entre os líderes emedebistas.  

Após Renan apresentar no Senado um pacote econômico com 27 medidas para ajudar a equipe econômica de Dilma, Eduardo Cunha negou qualquer possibilidade dos projetos prosperarem na Câmara. Ele ainda afirmou que os deputados não foram ouvidos sobre as medidas e disse que Renan estava “jogando para a plateia”. “Vivemos, pela Constituição, em um sistema bicameral, não vivemos em um sistema unicameral. Não dá para achar que só o Senado funciona ou a Câmara funciona”, disparou Cunha.  

O cabo de guerra raro entre Câmara e Senado se estendeu ao longo de 2015, mas no final Cunha prevaleceu ao derrubar as medidas apresentadas pelo Senado. Meses depois ele esteve à frente das articulações que levaram ao impeachment de Dilma, mas se viu envolvido nas denúncias da Lava-Jato e deixou o comando da Câmara praticamente direto para a prisão, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Hoje, algumas condenações de Cunha foram revertidas, após o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar o ex-juiz Sergio Moro parcial em suas decisões.  

Ausência de liderança do Executivo afeta o Legislativo   

Para o doutor em Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Antonio Carlos de Freitas Júnior, as disputas entre as Casas do Poder Legislativo estão diretamente ligadas à falta de lideranças consolidadas do Poder Executivo ou de uma articulação bem construída do governo com o parlamento. “A falta de consensos e de acordos programáticos aumenta o grau dos conflitos no Congresso. O que está acontecendo agora é que, sem essa liderança do governo, Câmara e Senado estão brigando por protagonismo”, avalia Freitas.  

Segundo ele, essa situação se tornou mais comum na última década, com o Poder Executivo se tornando alvo de denúncias e perdendo sua força política. “O mais comum era o presidente da República ocupar esse espaço, mas na última década foi o Supremo que atuou mais nessa mediação”, diz. Ele avalia ainda que a falta de um poder moderador é um dos problemas da Constituição de 1988, que não atribuiu algum elemento neutro para resolver disputas políticas.  

Freitas considera ainda que a situação de 2015, quando Eduardo Cunha e Renan Calheiros tornaram as divergências públicas, se assemelha com o cenário atual, em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pode acabar prejudicado pelas disputas do Legislativo. “Na briga entre Cunha e Renan, a parte mais fraca foi a presidente Dilma. Na briga entre Lira e Pacheco, quem pode enfrentar uma crise institucional é o presidente Bolsonaro. Quando se tem um presidente da República forte, com ampla articulação política, o processo legislativo é liderado e sobram menos margens para que as brigas se tornem significativas, foi assim nos governos de Fernando Henrique e Lula”, analisa o jurista. 

 

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