A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou na tarde desta terça-feira (31) de forma definitiva e em 2º turno o projeto de lei que endurece as regras do transporte fretado de passageiros e dificulta a operação de empresas por aplicativo no Estado.
O projeto foi aprovado por 34 votos a 20 e segue agora para a sanção ou veto do governador Romeu Zema (Novo).
A aprovação do projeto coloca um ponto final em um processo iniciado na ALMG ainda em julho, quando os deputados revogaram um decreto de Zema que abria mercado para as empresas de transporte fretado de passageiros ao facilitar a operação delas, retirando exigências como informar a lista de passageiros com antecedência e de cumprir o circuito fechado.
A revogação ocorreu após uma recomendação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que identificou pontos ilegais no decreto. O relator, conselheiro Gilberto Diniz, considerou que as mudanças afetam os contratos de concessão do serviço público de transporte coletivo intermunicipal e metropolitano de passageiros em Minas, ou seja, as empresas de ônibus da rodoviária.
Posteriormente, no entanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) derrubou, em liminar, a decisão do TCE. O desembargador Carlos Roberto de Faria argumentou que Constitituição do Estado não veda a existência de um serviço de transporte privado e “que existe previsão de exploração de transporte privado de passageiros no Código de Trânsito Brasileiro”.
A regra do circuito fechado determina que o mesmo grupo de pessoas têm que realizar a viagem de ida e a de volta, no mesmo ônibus e retornando exatamente ao local em que a viagem começou.
O projeto aprovado nesta terça-feira (31) volta com a exigência do circuito fechado e determina que a lista de passageiros tem que ser informada ao DER-MG com seis horas de antecedência.
O texto também proíbe que a comercialização de lugares seja intermediada por terceiros, o que segundo deputados contrários à proposta inviabiliza a atuação das agências de turismo de Minas Gerais.
“Isso não atinge só os aplicativos, que parece que têm um alvo nas costas e estão sendo atacados, mas também atinge as agências de viagem, como a CVC. Esse projeto pode fechar todas as agências de turismo de Minas Gerais”, disse o deputado Guilherme da Cunha (Novo).
Ele usou de quase todo o tempo de uma hora que tinha para discutir a matéria para informar a cada um dos 76 deputados quanto custaria a viagem da cidade deles até Belo Horizonte na comparação entre as empresas tradicionais de ônibus e a Buser, a maior empresa de aplicativo de transporte fretado de passageiros.
A Buser, no entanto, não é afetada pelas proibições do projeto aprovado porque tem uma liminar na Justiça que garante a ela o direito de operar em Minas Gerais. Mesmo assim, a empresa se posicionou de forma contrária ao texto.
Da Cunha reclamou no plenário que o parecer final da Comissão de Transporte disse que nenhum fato novo ocorreu entre a votação em 1º turno e a de 2º turno, que foi realizada na segunda-feira (30) na comissão.
“Mas tivemos um protesto com mais de 50 ônibus na Assembleia, uma comunicação do Conselho Estadual de Turismo contra o substitutivo, uma audiência pública falando contra e 40 mil assinaturas da população entregues a essa Casa contra o projeto”, disse.
Já o autor do projeto, o deputado Alencar da Silveira Jr. (PDT), voltou a dizer que o texto trata do transporte fretado e não dos aplicativos de transporte, que, segundo ele, serão objeto de um outro projeto de lei que será apresentado.
O pedetista questionou o abaixo-assinado com 40 mil assinaturas. “Fiquei assustado com o número de pessoas que estão no abaixo-assinado e que não têm nem o conhecimento do que está ali. O nome foi usado como fake. Estou encaminhando esse abaixo assinado ao Ministério Público para que se faça um levantamento nesse abaixo assinado para verificar qual a porcentagem desses 40 mil que estavam ali e sabem perfeitamente do que se trata”, disse.
Alencar também rebateu a comparação entre o preço da Buser e das empresas de ônibus tradicionais e disse que estas últimas têm um quadro de horários a seguir independente do número de passageiros, o que dá previsibilidade para a população.
“Quando apareceu na cidade de Itabirito um ônibus da Buser para vir a Belo Horizonte, o pessoal fez fila e ficou esperando: uma, duas, três horas. Só saiu quando encheu”, disse.
Troca de farpas entre os deputados
Durante o debate sobre o projeto, Alencar da Silveira Jr. (PDT) e Guilherme da Cunha (Novo) se atacaram e trocaram cutucadas.
O principal tema da briga foi o fato de que o deputado do Novo atuou como advogado da Buser no passado. Segundo Da Cunha, ele interrompeu as relações profissionais com a empresa após ser eleito como deputado após ter sido eleito em 2018.
Em sua fala, Alencar, em um primeiro momento, disse que Da Cunha era advogado da Buser. Ele se corrigiu em seguida, dizendo que o colega parlamentar foi advogado da empresa até fevereiro deste ano. “Eu te desafio pra falar o quadro de horário que tem a sua empresa, a empresa Buser”, disse.
“Te desmentir é quase um esporte”, respondeu Guilherme da Cunha. “A afirmação feita de que eu sou advogado da Buser é falsa. Você está cansado de saber disso. [...] A informação de que eu fui advogado da empresa até janeiro, fevereiro [deste ano] também é falsa. Uma certidão tirada sob encomenda no TRF-1 deixa muito claro que não assinei peça nenhuma naquele processo, não atuei naquele processo. E qualquer pessoa que acesse o processo, vai ver que eu sequer entrei nele. Eu não atuo desde que fui eleito”, concluiu o deputado do Novo.
Segundo Guilherme da Cunha, a Constituição ou o regimento interno da ALMG não exigiriam que ele parasse de prestar serviços à Buser, mas que ele assim o fez porque tinha certeza que defenderia a causa da liberdade nos transportes durante o mandoe não queria que uma bandeira que beneficia a todos fosse eventualmente confundida com a atuação em prol de uma empresa.
“Eu quero mais que tenha muita concorrência, para as empresas de ônibus e para a Buser, para que a gente tenha um caminhão de empresas disputando a preferência do consumidor pela que lhe atende melhor, mais barato e com mais conforto”, afirmou.
Buser espera que Zema vete o projeto
Em nota enviada à imprensa após a aprovação do projeto, a Buser, maior empresa de transporte fretado de passageiros, classificou o texto como um "enorme retrocesso à evolução natural do setor de mobilidade" e disse que ele pode levar um agravamento da crise econômica nos setores de turismo e fretamento.
"A nova lei causará a perda de dezenas de milhares de empregos, além de queda na arrecadação do Estado e o agravamento do apagão rodoviário, que hoje impacta dezenas de municípios, desassistidos pelas empresas que atuam sob concessão pública", disse a empresa.
A Buser afirmou também que a aprovação ocorreu às pressas e que espera que o governador Romeu Zema (Novo) vete a proposta.
"A Buser tem convicção de que o governador Romeu Zema, que regulamentou corretamente os serviços de fretamento no começo do ano, fará o certo novamente, vetando esse projeto, garantindo assim o avanço de Minas Gerais, a manutenção e ampliação de empregos, da geração de renda e do bem-estar da sociedade", diz a nota.
Confira a nota da Buser na íntegra:
"O projeto aprovado hoje pela Assembleia de Minas Gerais promove enorme retrocesso à evolução natural do setor de mobilidade, além de ampliar o agravamento da crise econômica sobre os setores de fretamento e de turismo no estado, ao não levar em consideração o impacto dos efeitos imediatos que ele irá causar.
A nova lei causará a perda de dezenas de milhares de empregos, além de queda na arrecadação do Estado e o agravamento do apagão rodoviário, que hoje impacta dezenas de municípios, desassistidos pelas empresas que atuam sob concessão pública.
A aprovação da proposta, feita às pressas, ignorando decisões da própria Assembleia, e inúmeras propostas trazidas em Audiência Pública, demonstra que há uma clara dissonância entre o interesse de eleitores e eleitos, visto que o modelo de transporte rejeitado pela maioria dos deputados é aprovado pela maioria da população.
A Buser tem convicção de que o governador Romeu Zema, que regulamentou corretamente os serviços de fretamento no começo do ano, fará o certo novamente, vetando esse projeto, garantindo assim o avanço de Minas Gerais, a manutenção e ampliação de empregos, da geração de renda e do bem-estar da sociedade."
Matéria atualizada às 21h09 para incluir a informação de que o TJMG cassou a decisão do TCE que recomendava a revogação do Decreto da Liberdade nos Transportes editado pelo Governo Zema