Durante a pandemia, o desafio das autoridades, além de evitar a rápida propagação do coronavírus, é combater a desinformação causada por notícias falsas ou distorcidas. A tarefa fica ainda mais difícil quando até mesmo autoridades usam do expediente ou divulgam informações sem checar. No último domingo, o vereador de Belo Horizonte Jair di Gregório (PSD) compartilhou duas notícias falsas a seus seguidores. Procurado pelo Aparte, o parlamentar, que se declara jornalista, eximiu-se de qualquer responsabilidade pela propagação de notícias falsas.
A primeira notícia falsa foi sobre a capital paranaense. Di Gregório postou uma imagem do prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), dizendo que ele não havia determinado o fechamento dos comércios na cidade. "Por incrível que pareça, os (prefeitos) que fecharam foi por causa da cultura de massa, de medo, implantado pelas grandes mídias, até descobrirem que em Curitiba ninguém mandou fechar!… Mas isso a Globo não mostra! 'Dois milhões de habitantes, zero mortes e não fechei nada', diz o prefeito Curitiba. Que os cientistas que coordenam esse fecha geral que expliquem isso… (sic)", dizia a postagem do parlamentar de Belo Horizonte.
Com o grande número de compartilhamentos da suposta notícia, Rafael Greca usou suas redes sociais ontem para desmentir a situação. "A velocidade da informação é inimiga da ética. Nunca disse isto que estampam no post. Nossa luta é para não perder mais ninguém. Xô safadeza, repudio o uso político da pandemia. Busco o bem de todos, a paz social, a democracia plena que nos assegura completo direito à informação. Só busquem canais oficiais. Assistam às 'lives' da prefeitura. Não podemos usar a desinformação e a ignorância como armas neste tempo tão difícil", publicou. O Aparte questionou a Prefeitura de Curitiba sobre o fato de um vereador de Belo Horizonte compartilhar a informação distorcida, mas a assessoria do Executivo disse que não se manifestaria para não virar briga política.
De acordo com boletim divulgado nessa segunda-feira, Curitiba registrou dez óbitos, dois a mais que Belo Horizonte, em decorrência da Covid-19. A capital paranaense tinha, até ontem, 426 casos suspeitos.
Na noite do útimo domingo, pelas redes sociais e por uma lista de transmissão no WhatsApp, o vereador enviou nota informando que "a Prefeitura de Belo Horizonte vai mudar regras de isolamento após posicionamento do vereador Jair Di Gregório". "Agora que a curva se estabilizou, (o prefeito Alexandre Kalil) resolveu, através do nosso pedido, flexibilizar o comércio de forma responsável", dizia o parlamentar na nota.
Em entrevista coletiva nessa segunda-feira, porém, Alexandre Kalil rechaçou a possibilidade de ter uma data para a abertura dos comércios na capital. “Não temos ainda a data de saída dessa pandemia, da flexibilização. Não temos porque a mesma técnica, a mesma ciência que aqui prevalece de entrada será usada para saída dessa pandemia, e isso não é feito de qualquer maneira, isso é feito com responsabilidade, com matemática, com propriedade e estatística e, principalmente, consciência”, disse. O prefeito de Belo Horizonte criticou, ainda, quem não tem respeitado as normas de isolamento. "A história mostra que cidades que trataram a pandemia com rigidez foram as que saíram da pandemia mais rápido e as que se recuperaram com mais rapidez”, afirmou.
Apesar de divulgar informações contestadas, o parlamentar declara ser "jornalista por liminar da Justiça". No último 7 de abril, Dia do Jornalista, ele divulgou a imagem de sua carteira de registro em uma associação de jornalistas que não é reconhecida pelo sindicato da categoria. A postagem seria uma "homenagem a todos os profissionais" pela data. A presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Alessandra Mello, disse não reconhecer a associação divulgada pelo vereador. "Pela legislação brasileira, quem representa os jornalistas são os sindicatos. Em Minas Gerais, temos dois, o do Estado e o de Juiz de Fora. Nacionalmente é a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que emite as carteiras de identidade profissional reconhecidas como documento legítimo do jornalista", explicou Alesandra.
Procurado e questionado sobre os três fatos, o vereador se eximiu de culpa em todos eles. Sobre a imagem “do amigo prefeito” de Curitiba, Jair Di Gregório disse que recebeu a mensagem de pessoas da cidade e compartilhou. “Eu tenho muito cuidado ao compartilhar alguma coisa, mas, se Curitiba não estiver como anunciado, problema deles. O nosso problema se chama BH”, justificou o vereador da capital.
Quanto à mensagem da flexibilização das atividades pela Prefeitura de Belo Horizonte, o parlamentar responsabilizou um veículo de comunicação pela informação. “O prefeito fez tudo que não esperávamos e reafirmou que o isolamento continua. Não sei o que aconteceu de ontem (domingo) pra hoje (segunda), mas ele não apresentou um plano de flexibilização”, desconversou.
Já sobre a carteira de jornalista emitida por uma associação não reconhecida, o vereador diz que exibiu a carteira “antiga e vencida” em forma de homenagem. “Já que não quis continuar na época em que me filiei a esta associação, que nem sei mais por onde anda ou se existe, porque não dei continuidade ao trabalho jornalístico em que fui reconhecido pelo Ministério do Trabalho. Como não quis seguir como jornalista, apenas nunca mais renovei meu registro”, declarou.
As fake news divulgadas por Di Gregório repercutiram negativamente na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A presidente Nely Aquino (Podemos) afirmou que “a proliferação de notícias falsas impacta o cenário político e a tomada de decisões dos cidadãos, que têm papel ativo na busca de fontes confiáveis de informação, como jornais de grande circulação e canais institucionais, como os gerenciados pela comunicação institucional do Legislativo”.
Já o vereador Gabriel Azevedo (Patriota) disse entender que qualquer cidadão deve evitar o compartilhamento de mentiras, mas, no caso de um parlamentar que jurou, na sua posse, “exercer o mandato sob a inspiração do interesse público, da lealdade e da honra”, isso fica mais grave.
O vereador Pedro Patrus (PT) foi mais incisivo nas críticas. “O problema das fake news em uma época como essa, em que uma pandemia pode matar, é que elas confundem a população. De um lado, cientistas e estudiosos falam na importância e das ações positivas do isolamento social, e quando um vereador, ou qualquer outra pessoa, espalha uma notícia falsa, ela potencialmente está colocando a saúde e a vida da população em risco. Isso é um absurdo se considerarmos que o compromisso de qualquer pessoa eleita pelo voto democrático é com o povo. Infelizmente, há um distúrbio de caráter das pessoas que espalham as fake news”, declarou.
Atualmente, o Legislativo não tem nenhuma forma de coibir as notícias falsas compartilhadas por parlamentares.