Minascaixa

Após 25 anos, STF decide que Estado violou lei sobre concursos

Por unanimidade, ministros entenderam como inconstitucional aproveitamento de servidores da Minascaixa

Por Thaís Mota
Publicado em 12 de agosto de 2020 | 03:00
 
 
 
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Após 25 anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu-se pela inconstitucionalidade de trecho da lei estadual mineira que permitiu aproveitamento de servidores da extinta Minascaixa pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG). Por unanimidade, a Corte entendeu que a norma violou a obrigatoriedade constitucional de realização de concurso para o ingresso no serviço público. 

Por maioria de votos, os ministros modularam os efeitos da decisão de modo que ela seja retroativa à data em que foi deferida medida cautelar, em 30 de junho de 1995. No entanto, como a partir dessa liminar não houve a admissão de novos funcionários com base na lei questionada, a decisão não altera a situação dos ex-servidores da Minascaixa. 

“Com essa proposição, eventuais funcionários terão a sua situação jurídica placitada (aprovada)”, afirmou o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, relator da ação. A ação foi ajuizada em 1995 pela Procuradoria Geral da República (PGR) e questionava a constitucionalidade da composição de servidores da Minascaixa no quadro geral do tribunal porque essa medida teria prejudicado os concursados no órgão. 

“O pleito na época, em que eu estava como advogado constituído e fiz sustentação oral, era dos servidores concursados no Tribunal de Contas para, no mínimo, dizer que o pessoal da Minascaixa não poderia estar na mesma carreira”, explicou o advogado Leonardo Militão, que já esteve à frente do caso, na defesa do Sindicato dos Servidores do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (Sintc-MG), e ingressou na ação como “amicus curiae”, (“amigo da Corte”), com interesse em opinar sobre o assunto. 

Precedente

Ainda segundo ele, em outros órgãos do Judiciário foram criados cargos para absorção dos servidores, enquanto no TCE todos teriam sido incluídos em uma mesma carreira. “No Ministério Público e no Tribunal de Justiça, o pessoal foi absorvido em um quadro em extinção. O que isso quer dizer? Eles vieram para os Poderes, mas em carreira paralela, não afetando quem tinha feito concurso. No Tribunal de Contas, eles foram absorvidos em uma carreira só, então quem era Minascaixa atrapalhou o pessoal concursado em relação ao número de vagas nas classes subsequentes ou na evolução da carreira”, explicou.

No entanto, ele reforça que a decisão, apesar de abrir precedente para outros casos semelhantes, não trouxe alteração à situação dos servidores mineiros. “Na prática, a declaração de inconstitucionalidade impede que isso se repita, mas a modulação dos efeitos passa a mão na cabeça de tudo que foi feito no passado”, disse.

Já a avaliação do ex-servidor da Minascaixa, ex-presidente da Associação dos Servidores da Minascaixa (Assemi) e também advogado no caso, Marco Aurélio dos Reis, é que a decisão contraria a Constituição. “Discordo da visão da inconstitucionalidade da absorção porque a Minascaixa era autarquia estadual, todos os funcionários eram concursados e tinham estabilidade e, pela Lei 10.470/1991, foram absorvidos pelo Estado, tanto quanto o patrimônio e os créditos da Minascaixa”, disse. 

Ele citou ainda que a Constituição prevê casos como esse, em que um cargo público é extinto. “O parágrafo 3º do artigo 40 da Constituição Federal é muito claro ao dizer que, quando um cargo é extinto, o servidor fica à disposição do órgão, no caso do Estado, até ser aproveitado em outro cargo. E o que o Estado fez foi só isso”, diz Reis. 

No entanto, ele destacou que a modulação da decisão impediu que funcionários fossem prejudicados. “Ela assegurou pelo menos o direito dos trabalhadores. Ninguém vai perder sua função ou alterar o vínculo”. E completou: “Não seria justo punir trabalhadores porque não foram eles que determinaram o fechamento da Minascaixa”.

Estado não tem dados de servidores na ativa

Com a extinção da Minascaixa, em 1991, cerca de 9.000 funcionários públicos de carreira foram absorvidos por diversas áreas do Estado. A Lei Estadual 11.816, de 1995, garantiu que os servidores pudessem escolher atuar no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. Atualmente, segundo informou o TCE, há 78 servidores no tribunal incorporados de outros órgãos do Estado, entre eles da Minascaixa.

Em todo o Estado, não há dados sobre o número total de ex-servidores da Minascaixa ainda na ativa. A Assemi está em processo de liquidação judicial, e o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público do Estado de Minas Gerais (Sindipúblicos-MG), criado com a liquidação da Minascaixa, não soube informar os dados.

Procurado, o atual advogado do Sintc-MG, Bruno Batista Aguiar, informou que ainda aguarda a publicação da decisão do STF. “Além de ser um processo que se arrastou por algumas décadas, nós não tivemos acesso ao acórdão”. Já o coordenador do Sindicato, Carlos Frederico Dumont Mamede, não foi encontrado para comentar a decisão. 

Decisão pode afetar mais ações na Justiça

Além da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.251, o caso já teve outros questionamentos na Justiça, inclusive uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Ministério Público de Minas, que estava suspensa desde outubro do ano passado aguardando essa decisão do STF.

“Essa ação questiona o aproveitamento do pessoal da Minascaixa no Tribunal de Justiça, porque no caso da Defensoria Pública isso já foi resolvido há muito tempo em outra ADI, em que também foi dada a inconstitucionalidade. E no MP, na ADI 1.186, foi dada uma modulação para assegurar efeitos ‘ex nunc’, o que significa a partir da publicação do acórdão em diante”, explicou Reis, que também atua nesse processo. 

Agora, a ACP deve voltar a tramitar. “Essa ação vai requerer minha atenção porque a modulação (concedida na ADI 1.251) não cria coisa julgada, a princípio. Entendo que, se o Supremo fala que os direitos são preservados, então tem que haver respeito aos direitos das pessoas, mas não há efeito vinculante, somente no mérito, que trata da constitucionalidade”, afirma. 

A reportagem tentou acesso à ação sobre o outro órgão, mas o TJMG informou que o processo é físico e está arquivado, uma vez que a ação está sobrestada, aguardando decisão do Supremo, que ainda não teve seu acórdão publicado. Já o MP informou que precisaria do nome do promotor responsável pelo processo para tentar localizar a petição inicial. 

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