Entrevista - Parte 1

'As coisas não acontecem na velocidade adequada'

Em entrevista exclusiva, o governador Romeu Zema (Novo) se mostra mais à vontade para falar do setor público, da sua rotina e dos desafios que ainda terá que enfrentar depois de um ano de gestão do Estado

Por Humberto Santos e Rodrigo Freitas
Publicado em 16 de dezembro de 2019 | 02:59
 
 
 
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Em uma manhã nublada de dezembro, o governador Romeu Zema (Novo) recebeu o jornal O TEMPO e a rádio Super 91,7 FM para a entrevista que começa nesta página. Solícito e bem-disposto, o governador aceitou prontamente o pedido para realizar as fotos do lado de fora do Palácio Tiradentes antes que chovesse. Ali já deu o primeiro sinal do esforço de sua gestão para economizar recursos: nos convidou a descer para o térreo pelas escadas, pois parte dos elevadores estava desligada. Estávamos no quarto andar.

Na conversa, Zema se mostrou muito mais preparado para responder aos questionamentos do que quando não ocupava o cargo. Não que ele não estivesse preparado para falar de seus planos quando era pré-candidato e completamente desconhecido no mundo político. Naquela época, ele era mais voluntarioso e não media as palavras. Hoje, algumas de suas respostas são mais calculadas. Mesmo assim, o governador estava à vontade para responder aos questionamentos, chegando ao ponto de se antecipar a perguntas que ainda lhe seriam feitas.

Zema, que passou a campanha levantando a bandeira liberal, já admite concessões nessa visão e defende uma questão historicamente “social”: a intervenção do Estado na economia em tempos de crise. Questionado se é um liberal, o governador respondeu: “Não sou nenhum extremista. Sou totalmente contrário ao socialismo ao extremo e ao capitalismo ao extremo. Precisamos ter um Estado que regulamente, que dê certa segurança. E o Estado é importantíssimo na atividade econômica numa época de recessão. Numa época de recessão, ele tem que gastar mais do que arrecada, para fazer aquela questão da atividade anticíclica, fazer a economia se recuperar. Agora, em tempos normais, o Estado tem que estar acumulando poupança para poder, quando chegar uma época difícil, fazer o papel dele”.

Utilizando metáforas para deixar suas respostas didáticas, o governador também defendeu o fim de privilégios no setor público, disse ser contrário aos jetons, embora os considere necessários neste momento; justificou a “carona” que deu para o filho nas aeronaves do Estado e ressaltou a necessidade de reformas. Nesse ponto, foi ambíguo: ao mesmo tempo em que exaltou a parceria com a Assembleia Legislativa (mesmo em um ano de relação tão conflituosa com os deputados) indicou certa pressão e responsabilidade da Casa para resolver os problemas mais urgentes de Minas Gerais.

Confira a entrevista:

O senhor vem da iniciativa privada, tem uma vasta experiência em administração de empresas. Agora, depois de um ano no governo, o que o senhor aponta como principal diferença entre o setor público e o privado?

Vamos por etapas. Primeiro, o setor privado realmente é mais ágil, você consegue implementar as ferramentas de gestão com muito mais facilidade, e, aqui, no setor público, a gente tem que, muitas vezes, encaminhar para a Assembleia Legislativa. Muitas coisas a gente consegue fazer, mas muitas dependem da Assembleia dar o seu aval e isso acaba fazendo com que as decisões nem sempre ocorram com uma velocidade que seria adequada. É a natureza do setor público. Não estamos falando só de Brasil, é como, é estruturado e deveria ser mesmo. Além disso, eu diria que, no setor público, estou me sentindo mais realizado, porque no privado eu poderia ter impacto, contribuir para as vidas de 5.000 colaboradores e familiares. Aqui, no setor público, nós temos condições de impactar milhões de pessoas. Vejo que aqui há muito mais oportunidade de melhorias, porque o setor público, notoriamente o Poder Executivo, sempre trabalhou de uma forma que está longe de ser a mais eficiente. E isso me deixa extremamente empolgado, entusiasmado, porque há muito por ser feito. Já fizemos, mas ainda há muito a se fazer. E o setor privado, como sempre teve de lidar com a concorrência, teve de operar enxuto ou então ele já sumiu do mapa. E o público, muitas vezes, acaba mandando a conta para o cidadão pagar via aumento de impostos. Então, aqui tem um manancial de oportunidades, e nós estamos correndo atrás delas.

O que deixou o senhor mais surpreso no setor público?

O que me deixou mais surpreso foi a quantidade de pessoas capacitadas, empenhadas e, infelizmente, subutilizadas. Porque, aqui dentro, na maioria das vezes, ou na maioria do tempo, quem teve mais oportunidade não é quem se esforçou mais e que tinha mais capacidade, é quem era próximo do rei. Então, tem muita gente boa, oculta e subutilizada. Nós, graças a Deus, estamos agora conseguindo reverter esse quadro.

Um ano depois de assumir o governo, o que mudou na pessoa Romeu Zema?

Muito pouco. Eu continuo sendo a mesma pessoa de hábitos simples, continuo comendo o que sempre comi, fazendo os exercícios que gosto. Eu diria que o que eu melhorei muito foi em atender vocês, da imprensa, que sempre ficam, vamos dizer, pegando um pouco em questões que antes eu tinha um pouco mais de dificuldade para lidar. Mas, agora, a gente vai ficando mais confortável. É que, nos primeiros meses de governo, eu não estava tão a par das questões de Estado e de governo. E, hoje, já decorrido quase um ano, tenho muito mais facilidade, lembrando que a gente não teve fase de transição. A transição nossa começou no dia 2 de janeiro, quando assumimos sem nenhuma ajuda do governo anterior. Me parece até que o governo anterior devia ter algo a esconder, porque não nos abriu nada. Nós só passamos a ter acesso realmente em janeiro. E hoje eu me sinto muito mais confortável, porque, se você me perguntar os principais planos nossos, eu já tenho isso em mente. No começo, estava tudo por ser construído ainda.

E quais são esses planos?

Meu maior sonho, desde o começo, é colocar o salário do funcionalismo em dia, termos condições de pagar o 13º na data certa. Essa é a grande prioridade. O funcionalismo vem sendo relegado a um segundo plano, desrespeitado há alguns anos, e o Estado precisa corrigir isso. Mas essa operação que nós vamos fazer não é a solução definitiva, é um paliativo, infelizmente. A solução definitiva vai vir só com o Regime de Recuperação Fiscal. Eu tenho esse sonho para o funcionalismo e tenho um sonho para o mineiro também: que é todo mineiro vir a ter um emprego, uma renda digna. 

O senhor era desconhecido em Minas, era de um partido desconhecido e desconhecido no meio político. Partiu de baixo nas pesquisas e se elegeu num segundo turno avassalador. Quando começou a caminhada, o que pensava que aconteceria? Qual era seu real objetivo? Seria construir um nome para o futuro?

Eu aceitei o convite do Partido Novo sabendo que as minhas chances de ganhar eram próximas de zero, mas eu estava num momento de minha vida que os planetas se alinharam. Eu já havia saído do cargo de presidente da empresa, já estava com minha família criada, meus filhos adultos. Tenho um patrimônio que me permite dedicar a qualquer atividade voluntária sem ter remuneração. E, durante os anos de 2015 e 2016, tive que reduzir o quadro da empresa em 2.500 funcionários, quase um terço, devido a uma crise econômica provocada por questões políticas. E o convite do Partido Novo me fez refletir que, não adianta você gerir bem uma empresa, querer fazer o melhor num país que está caminhando para ser uma Venezuela. Aí eu pensei: vou entrar, vou levantar a bandeira liberal, que é a em que eu sempre acreditei, que é um Estado menor, um Estado que atrapalhe menos quem está trabalhando. Eu sabia que minhas chances eram irrisórias, mas quis divulgar essa bandeira, ajudar mais um ou dois deputados estaduais e federais e sabia que minhas chances eram mínimas (de vencer a eleição para governador). Disputei com o então governador (Fernando Pimentel) e com o ex-governador (Antonio Anastasia). Eles tinham milhões para gastar; eu não tinha nada, porque o Partido Novo não usa Fundo Eleitoral. Eles tinham dez minutos diários na TV; eu tinha dez segundos por semana. Eles tinham grandes partidos e coligações, estruturas grandes para apoiá-los; eu tinha um partido minúsculo, com um vereador em Minas Gerais. Eles tinham centenas de prefeitos como apoio; eu não tinha nenhum. Então era coisa de lunático achar que eu ia ganhar. Eu realmente entrei para divulgar as causas liberais. Mas uma coisa eu posso te afirmar: é bem provável que eu tenha visitado mais cidades e feito mais eventos do que a soma de todos os candidatos com os quais eu disputei. Minha vida sempre foi trabalhar muito e andar pelo Estado todo.

De carro?

De carro. Só no meu, andei 60 mil km. Vejo, que de certa maneira, eu entrei na política e fui feliz porque o mineiro, o brasileiro, estava querendo mudança, e acaba que minha candidatura representou essa mudança.

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