A Controladoria Geral da União fez uma auditoria no balanço de 2017 do Fundo Garantidor por Tempo de Serviço (FGTS) e verificou que os ativos do fundo foram inflados em R$ 17 bilhões.

Devido às inconsistências apontadas pela CGU, o Ministério da Economia chegou a avisar a Caixa Econômica Federal que reduziria o valor pago ao banco pela administração dos recursos dos trabalhadores. Pelo acordo, a Caixa recebe anualmente o equivalente a 1% dos ativos do fundo, algo em torno de R$ 5 bilhões.

A Folha de S.Paulo teve acesso à troca de correspondências entre o fundo e a Caixa ocorrida entre o início e o final de julho deste ano. Em um dos ofícios, o diretor do Departamento do Fundo de Garantia da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia afirma não ser possível "precisar o valor do ativo". Por isso, ele diz que, até que as divergências com a CGU fossem resolvidas, haveria um abatimento de 3% no valor devido à Caixa.

Esses pagamentos são realizados em parcelas mensais. Em junho, por exemplo, o banco receberia R$ 215 milhões a menos por isso, segundo as simulações.

O assunto foi discutido na última reunião do conselho curador do FGTS na semana em que o governo anunciou a liberação de R$ 40 bilhões das contas dos trabalhadores.

Existem divergência severas sobre os resultados da auditoria, que é preliminar e pode sofrer mudanças caso os auditores sejam convencidos dos argumentos apresentados pelos representantes do fundo e da Caixa.

Na reunião do conselho curador, houve quem defendesse que as inconsistências não passariam de R$ 450 milhões.

Por isso, o conselho decidiu manter os pagamentos até que as partes cheguem a uma conclusão em torno da diferença de valores.

Pessoas que participam dessa discussão afirmam que, caso as inconsistências se confirmem e seja preciso reduzir esses pagamentos, cogita-se implementar um sistema de compensação mensal.

Concluída em abril deste ano, a auditoria da CGU foi feita no balanço de 2017 do FGTS publicado em agosto do ano passado. Naquele momento, os ativos do fundo somavam R$ 496,6 bilhões e os auditores verificaram uma diferença de R$ 17 bilhões a mais nos ativos, o que levaria a uma redução do valor pago para a Caixa.

Essa diferença existiu porque, segundo a CGU, o fundo não reconheceu perdas nas operações de crédito (habitação, saneamento e infraestrutura), nem nas debêntures (títulos de dívida emitidos por empresas) adquiridas como forma de investimento. Também considerou como ativos o que, na verdade, eram garantias.

Nas operações de crédito, o FGTS não reconheceu perdas mesmo tendo operações com inadimplência maior que um ano. O fundo explicou para a CGU que essas operações eram garantidas pela União até 2001 e que, após essa data, o risco passou para a Caixa. Ou seja, o risco seria zero porque a garantia é praticamente "soberana" (A União não teria como quebrar se fosse arcar com esse gasto).

No entanto, os auditores dizem que, mesmo assim, não se pode confundir um ativo (operação de crédito) com uma garantia ou aval. A garantia, explicam, só se torna um ativo quando é executada.

Pelas regras da contabilidade, operações com atraso maior que 180 dias, implicam no reconhecimento de 100% de perdas com provisionamento no balanço.

A CGU estimou essas perdas, que não constam na contabilidade do FGTS, em R$ 13,3 bilhões. Segundo o parecer, esse não reconhecimento causou uma superavaliação do ativo nesse mesmo valor.

Os gestores do fundo recorreram, afirmando que os R$ 13,3 bilhões identificados pela CGU incluíram juros. Por isso, o valor correto estaria mais próximo de R$ 5 bilhões.

Além disso, o fundo reconheceu ter lançado R$ 3,1 bilhões recebidos em garantias por outras operações.

O fundo também não computou perdas decorrentes de compra de debêntures (títulos de dívida emitidos por empresas) vinculadas a empreendimentos financiados pelo FGTS.

Diversos pagamentos dessas debêntures encontravam-se em atraso e alguns emissores chegaram a se atolar na recuperação judicial desde que os papéis foram adquiridos pelo fundo.

Pela simulação dos auditores, os investimentos nessas debêntures de R$ 3,3 bilhões, em 2017, na verdade teriam de ser computados como R$ 435,9 milhões. Isso também teria inflado artificialmente os ativos do FGTS.

Para a CGU, o fundo reconheceu as perdas, mas afirmou não fazer o registro porque entende que a garantia (pelo agente operador) é suficiente para cobrir eventual prejuízo.

Nesse quesito, os gestores acataram a posição da CGU e devem lançar perdas nos próximos balanços do FGTS.

Para não dizer que só houve distorção para mais, o fundo não contabilizou cerca de R$ 2 bilhões decorrentes do fluxo anual de cobrança das dívidas ativas do FGTS, aqueles recolhimentos que deveriam ter sido feitos pelas empresas nas contas de seus funcionários e que não se realizaram. Esse valor deveria ter sido registrado no ativo, e não foi.

No relatório de 42 páginas obtido pela Folha de S.Paulo, os auditores explicam que essas discrepâncias ocorreram porque o fundo não seguiu as normas de contabilidade. Em vez de consolidar o resultado de todos os seus braços operacionais, o fundo só prestou contas de cada um deles separadamente.

Além do FGTS, existem recursos dos trabalhadores aplicados em fundos de investimento como o FI-FGTS, três fundos imobiliários e um fundo de direitos creditórios (FIDC).

Para a CGU, o FGTS disse que segue os parâmetros determinados pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que também fiscaliza as contas do fundo.

Os auditores da CGU não acataram a explicação. Para eles, o fato de o TCU exigir contas separadas não livra o fundo da obrigação de consolidação do resultado.

"A divulgação de demonstrações consolidadas é uma exigência não uma escolha", disseram no relatório.

Em outra frente, os auditores contestaram o "excesso de liquidez" [dinheiro em caixa] nos fundos de investimento do FGTS. Se o balanço fosse consolidado, haveria quase R$ 10,5 bilhões no caixa do FGTS.

Para os auditores, "considerando que a taxa de administração é cobrada como um percentual do total do ativo (FI-FGTS) ou do patrimônio líquido (demais fundos), a unidade [FGTS] poderia ter economizado um valor significativo caso o excesso de liquidez fosse mantido no FGTS e não nos fundos de investimento".]

Esses valores economizados poderiam estar entre R$ 27 milhões e R$ 82 milhões anualmente, considerando-se uma redução entre 70% e 90%, respectivamente, de parte das aplicações dos fundos.

Para os auditores, "não há óbices para que boa parte dos recursos permaneça sob a gestão do FGTS."

A controladoria também encontrou problemas nas despesas. Cerca de 75% do saldo das contas do FGTS permanecem depositadas por mais de um ano. Particularmente depois de 2017, quando o ex-presidente Michel Temer autorizou saques das contas, apenas um terço do estoque dos depósitos vinculados foi sacado dentro de um ano.

Para os auditores, isso é relevante porque o FGTS registra esse estoque no balanço como passivo circulante quando o correto seria marcá-lo como passivo não circulante (para despesas que serão feitas num prazo mais longo do que um ano).

"A incorreta segregação dos passivos [despesas] não propicia uma visão da real necessidade de recursos do FGTS, podendo causar descasamento entre os recebimentos e os pagamentos", escrevem os auditores.

Consultados, CGU, Caixa e o Ministério da Fazenda não quiseram se manifestar.