Brecha jurídica

Bolsonaro desafia Congresso e reafirma intenção de veto a fundo eleitoral

Foi aprovado o uso de R$ 2 bilhões aprovado para as eleições municipais de 2020

Por Folhapress
Publicado em 19 de dezembro de 2019 | 18:00
 
 
 
normal

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a desafiar o Poder Legislativo e confirmou nesta quinta-feira (19) que busca uma brecha jurídica para vetar o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões aprovado para as eleições municipais de 2020.

Na entrada do Palácio do Alvorada, onde cumprimentou um grupo de simpatizantes, o presidente disse que hoje a sua tendência é vetar o tema, mas que a sua equipe jurídica do Planalto ainda avalia a questão. Um eventual veto do presidente pode ser derrubado pelo Congresso.

"Em havendo brecha para vetar, eu vou fazer isso. Não vejo, com todo respeito, como justo recursos para fazer campanha. A tendência é vetar sim."

No Orçamento de 2020, há dois instrumentos para abastecer o caixa de partidos com recursos públicos: o fundo partidário, de aproximadamente R$ 1 bilhão (distribuído anualmente), e o fundo eleitoral, criado para financiar campanhas em ano de eleição.

Na prática, um eventual veto de Bolsonaro pode prejudicar partidos rivais e colocá-los em condições de igualdade com a Aliança pelo Brasil, legenda que pretende criar nos próximos meses.

Se o partido for viabilizado na Justiça Eleitoral de forma célere (um cenário, no entanto, ainda incerto), a Aliança poderá disputar a eleição municipal de 2020, mas sem recursos do fundo eleitoral e sem tempo de rádio e TV. Hoje, a distribuição dos fundos partidário e eleitoral (que financiam as legendas com verbas públicas) leva em conta os votos obtidos na última eleição para a Câmara.

Pelas estimativas, caso o valor do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso seja mantido, o PSL receberá R$ 203 milhões em 2020, e o PT, R$ 201 milhões.

Bolsonaro disse que enviou proposta orçamentária com previsão de R$ 2 bilhões ao fundo eleitoral porque a Lei Eleitoral determinava isso, mas que agora tem o poder de veto. O artigo 16 especifica que o fundo eleitoral é constituído "por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral".

"Aquela proposta de R$ 2 bilhões é em função de uma lei que tinha. Não é que quero isso. Agora, chegando a peça orçamentária, tenho poder de veto. Não quero afrontar o Parlamento, mas pelo amor de Deus."

O presidente defendeu que as eleições no país não sejam financiadas por dinheiro público e ressaltou que um montante de R$ 2 bilhões seria mais bem aproveitado pelo Ministério da Infraestrutura, por exemplo. "O povo quer votar naquele cara que agrada", disse.

"Eu acho que vai ser tiro no pé o fundo eleitoral. Já vejo pessoal dizendo que quem tiver campanha cara a população não vai votar nele."

Para o presidente, os recursos eleitorais dificultarão uma renovação na política, uma vez que, na avaliação dele, servirão apenas para manter no cargo quem já está no poder.

"O dinheiro vai para quem? Manter no poder quem já está, dificilmente vai para um jovem candidato. O povo fala em renovação. E tem de ter igualdade. A campanha tem de estar em condição de igualdade. Não é maldade minha contra o Parlamento, eu respeito o Parlamento", afirmou.

Mesmo que o presidente vete o fundo eleitoral, o Poder Legislativo ainda pode derrubá-lo. Na prática, a medida pode prejudicar partidos rivais de Bolsonaro, como o PT e o PSL, colocando em condições de igualdade a eles a Aliança pelo Brasil, legenda que o presidente pretende criar nos próximos meses.

Isso porque, se não conseguir brechas na Justiça Eleitoral, a nova sigla pode disputar a eleição municipal de 2020 sem recursos dos fundos partidário e eleitoral e sem tempo de rádio e televisão.

Hoje, a distribuição do fundo partidário - que financia, com verbas públicas, o funcionamento das legendas - leva em conta os votos obtidos na última eleição para a Câmara, o que não impediria esses recursos para a nova sigla de Bolsonaro.

Nas últimas semanas, o Congresso chegou a discutir a possibilidade de elevar o fundo eleitoral para R$ 3,8 bilhões em 2020. A diferença, que seria de R$ 1,8 bilhão, conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo, representaria um desfalque nos orçamentos de áreas como saúde, educação e estrutura.

Diante da repercussão negativa, líderes partidários decidiram manter o valor apresentado pelo governo para evitar um veto presidencial, em R$ 2 bilhões. A revisão no destino dos recursos públicos foi aprovada nesta terça-feira (17) e agora segue para a sanção presidencial.

Caso Bolsonaro vete o fundo, os partidos podem ficar sem recursos públicos para a campanha municipal. Segundo técnicos do Congresso, cabe ao presidente decidir se toda ou nenhuma verba aprovada no Orçamento será liberada. Isso porque, no entendimento desses técnicos, o veto ocorre em todo o trecho do projeto de Orçamento.

Mas, do jeito que o texto está escrito, há uma linha para destinar cerca de R$ 300 milhões e outra, no valor de R$ 1,7 bilhão, ao financiamento de campanha. Assessores legislativos dizem que um veto a apenas uma dessas linhas, que desidrataria o fundo eleitoral, seria irregular.

Um veto total ou parcial geraria um desgaste ainda maior com líderes partidários. O Congresso teria poder para derrubar o ato do presidente.

No Congresso já em clima de férias, as opiniões são divergentes. Alguns líderes dizem que Bolsonaro não teria argumentos para vetar o valor indicado pelo próprio governo e que, caso faça isso, o veto será derrubado e o presidente não conseguirá mais aprovar projeto algum.

Por outro lado, há líderes de partidos de centro que dizem não duvidar de um veto de Bolsonaro em um aceno para seu eleitorado. Reservadamente, afirmam também acreditar que o veto pode ser mantido pelos parlamentares, já que o fundo de R$ 2 bilhões foi aprovado por 242 a 167, uma diferença apertada.

Caso isso aconteça e não haja fundo eleitoral para 2020, haverá uma repetição do que ocorreu em 2016, quando foi proibido o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas e não havia fundo eleitoral. Naquele ano, as eleições foram financiadas exclusivamente por doações de pessoas físicas e pelos recursos do fundo partidário.

O fundo eleitoral

O que é?

É uma verba pública que os partidos recebem em ano eleitoral para financiar campanhas. Passou a valer em 2018, quando distribuiu cerca de R$ 1,7 bilhão.

Ele é a única fonte de verba pública para as campanhas?

Não. Os partidos também podem usar recursos do fundo partidário (verba pública para subsidiar o funcionamento das legendas, distribuída mensalmente). Em 2018, foram repassados R$ 889 milhões. Neste ano, total gira em torno dos R$ 928 milhões.

Quais são as outras formas de financiamento possíveis?

Os candidatos podem recolher doações de pessoas físicas e podem financiar as próprias campanhas. O autofinanciamento é limitado a 10% do teto de gastos, que varia de acordo com o cargo disputado. As doações empresariais são proibidas desde 2015.

Qual o valor previsto para o fundo eleitoral em 2020?

O valor final está sendo discutido na comissão do Congresso que debate o Orçamento de 2020. Relatório preliminar aprovado no dia 4 previa R$ 3,8 bilhões, mas, após pressões, a quantia final deve ser reduzida para R$ 2 bilhões.

Como é possível aumentar o valor do fundo eleitoral?

A Lei do Teto de Gastos limita o crescimento das despesas públicas. Segundo técnicos, cortes em outras áreas permitiram que os congressistas sugerissem o aumento do fundo eleitoral.

De quanto é o corte proposto?

São previstos cortes de R$ 1,7 bilhão no orçamento de mais de 15 ministérios. Do total, são R$ 500 milhões em saúde (dos quais R$ 70 milhões iriam para o Farmácia Popular, que oferece remédios gratuitos à população), R$ 380 milhões em infraestrutura e desenvolvimento (que inclui obras de saneamento e corte de R$ 70 milhões do Minha Casa Minha Vida) e R$ 280 milhões em educação.

Como o fundo é distribuído?

A distribuição do fundo público para campanha entre os partidos acontecerá da seguinte forma nas próximas eleições:

  • 2% distribuídos igualmente entre todas as legendas registradas;
  • 35% consideram a votação de cada partido que teve ao menos um deputado eleito na última eleição para a Câmara;
  • 48% consideram o número de deputados eleitos por cada partido na última eleição, sem levar em conta mudanças ao longo da legislatura;
  • 15% consideram o número de senadores eleitos e os que estavam na metade do mandato no dia da última eleição.

Houve uma mudança recente da divisão do fundo. Antes, o que valia era o tamanho das bancadas na última sessão legislativa do ano anterior à eleição (o que contou em 2018 foi a bancada no fim de 2017). Agora, conta o resultado da eleição.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!