O relato de um quase assassinato pegou de surpresa até mesmo quem nunca poupou críticas a Rodrigo Janot. O jurista Antônio Carlos de Castro, o Kakay, advogado há quase 40 anos no STF e conhecido por defender várias personalidades políticas, chegou a qualificar como insana a entrevista que o ex-procurador deu aos jornais revelando o fato. Mas, de acordo com Kakay, inimaginável, vindo de Janot. “Atitude absolutamente imprevisível. Conheço Rodrigo Janot há muitos anos. Um homem afável, bem-humorado, de muitos amigos e que gosta de cozinhar. O único defeito grande dele era ser atleticano doente”, brinca Kakay.
“Um homem longe de ter tendência a suicídio. Aliás, isso me espantou mais do que ter falado que iria matar o Gilmar”, conclui.
A condução de um diálogo institucional – defendido por Janot em reunião com políticos nos bastidores antes de assumir a PGR – foi o que abriu caminho para a construção de um grupo poderoso dentro da Procuradoria. Mas, enquanto o ego de alguns procuradores endossou a alcunha de “semi-deuses”, para Kakay, Janot “era o mais fácil de lidar”. “Evidentemente, fazia um ‘jogo político’, entre aspas. Um jogo normal, nada exagerado. Porque a Procuradoria tem um lado político. Não partidário, mas político-institucional. E ele era bom nisso”, afirma.
A vida boêmia, sempre regada a cerveja, se intensificou a partir do momento em que se viu pressionado a investigar amigos e personalidades que tinha como ídolos na juventude. “Nessa época surgiu o boato de que estava bebendo muito, e foi quando ele começou a ter o problema com o Gilmar. Gilmar é um cara brilhante, de temperamento de enfrentamento. Mas ninguém que convive com ele aqui, em Brasília, poderia imaginar que chegaria a esse ponto”, complementa outra fonte, que atuou no MPF.
Galo de prata
Torcedor fanático do Atlético, Rodrigo Janot foi agraciado com a honraria máxima do clube mineiro, o troféu Galo de Prata, em 2016. “O perfil que vi é o de uma pessoa tranquila, um atleticano doente. Várias pessoas já haviam citado o nome dele para receber a homenagem. Eu lembro que, durante o discurso, ele escreveu um texto muito bonito sobre a paixão pelo Atlético. Um homem extremamente profissional e que se colocou à disposição do clube”, disse outra fonte, que participou das festividades na época.
Aposentadoria e advocacia social
Após 35 anos de Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot se aposentou, em setembro de 2017. Antes de sair de cena, movimentou o cenário político nacional ao denunciar o então presidente Michel Temer (MDB) e o deputado federal Aécio Neves (PSDB), na época presidente da legenda. Janot foi o primeiro procurador a denunciar um presidente da República em exercício por crimes supostamente cometidos no exercício do mandato.
Com salário integral de aproximadamente R$ 38 mil mensais, ele passou a se dedicar à advocacia em um escritório que abriu em sociedade com Márcio Elias Rosa, ex-procurador geral da Justiça de São Paulo. Diante das revelações de Janot à imprensa, Elias Rosa reagiu e chegou a dizer a alguns amigos que foi pego de surpresa.
Os rumores são de que a sociedade entre os dois chegaria ao fim. Mas Isa Mara Ribeiro, tesoureira do Instituto Sebastião, no arraial de Macacos (MG), garante que o escritório de advocacia continua como representante legal da instituição, com a atuação dos dois juristas, Janot e Rosa.
“A ajuda do senhor Rodrigo Janot surgiu em um momento oportuno e delicado para nós, de Macacos. Em fevereiro, alguns dias depois do rompimento da barragem em Brumadinho, a sirene da Vale (na barragem de Nova Lima) disparou. Isso aconteceu em pleno sábado, com todas as 69 pousadas lotadas. O fato assustou os hóspedes e prejudicou o turismo, principal atividade econômica da região. Apesar de a barragem não ter se rompido, vivemos a consequência disso. Nós fundamos o Instituto Sebastião para atender essa e outras demandas antigas. E em meio ao desespero da situação em que nos encontrávamos, entramos em contato com o doutor Rodrigo Janot na véspera do feriado de 21 de abril. Ele já estava vindo para Belo Horizonte e de imediato atendeu ao nosso chamado. Ele já se reuniu diversas vezes com a comunidade, com gente simples e humilde, e sempre tratou todos com muito respeito e de igual para igual. Ele traz o alento, a esperança e estimula a união da comunidade. Nunca foi agressivo ou antipático. Todo o trabalho é feito sem ônus para o instituto. Nosso contrato é pro bono, no valor de R$ 1”, afirma.
Isa diz que prefere não comentar as revelações do ex-procurador. “Acho que estão vendo chifre na cabeça de cavalo. Não acredito que a coisa tenha essa dimensão toda que estão querendo pintar. Mas, como tesoureira do Instituto Sebastião, não posso comentar nada referente à postura dele que não tenha envolvimento com a ONG”.