Negociação travada

Comissão da Câmara quer que Justiça fixe prazo final para repactuação de Mariana

Com a negociação se arrastando por anos, deputados federais querem por data-limite para pressionar as mineradoras

Por Gabriel Ronan
Publicado em 25 de abril de 2024 | 13:49
 
 
 
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Sem muitos avanços desde que as autoridades recusaram a oferta de R$ 42 bilhões das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, a repactuação da Tragédia de Mariana pode ter data-limite para ser assinada. Ao menos, esse é o desejo da Comissão Externa sobre Rompimento de Barragens e Repactuação da Câmara dos Deputados, em Brasília, que enviou um requerimento com essa e outras diretrizes à Justiça. 

Pelo que apurou a reportagem, as empresas voltaram a sentar na mesa de negociação nos últimos dias, mas ainda não apresentaram uma nova proposta. A oferta de R$ 42 bilhões está bem abaixo do que defendem as autoridades envolvidas: R$ 126 bilhões. Nos bastidores, porém, há o entendimento de que, como em toda negociação, o valor a ser fechado vai ficar num meio-termo. 

Ainda assim, a oferta de R$ 42 bilhões sequer foi cogitada pelo poder público. Para pressionar as empresas, os deputados federais querem fixar um prazo máximo. Caso esse limite seja ultrapassado, a Justiça voltaria a julgar a ação penal e os processos individuais e coletivos atualmente abertos contra as três mineradoras no âmbito da catástrofe ocorrida em novembro de 2015. 

Como O TEMPO mostrou, a inércia nas negociações ameaça até mesmo uma eventual retirada do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) das tratativas. Nesta semana, a presidente do TRF-6, desembargadora federal Mônica Sifuentes se reuniu com deputados estaduais e federais e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para discutir a questão. 

O encontro serviu para dois avanços práticos. O TRF-6 reconheceu os municípios do Espírito Santo como atingidos pela tragédia, no âmbito dos impactos ocorridos pela contaminação do Rio Doce. Além disso, a Justiça Federal impediu a judicialização, por parte da Fundação Renova, das políticas públicas deliberadas pelo Comitê Interfederativo (CIF), que envolve diferentes partes do poder público para reparar os danos do rompimento da barragem. 

“Eles utilizam sempre a forma de judicializar qualquer decisão do CIF. O CIF define uma política pública, mas ela não é feita porque eles judicializam. A cada processo, nada é feito. A Justiça definiu que não se pode utilizar da mesma sentença para judicializar (outras políticas públicas). Se eles quiserem judicializar, que entrem com uma nova ação. Isso não vai interromper a decisão do CIF”, afirma o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), coordenador da Comissão Externa sobre Rompimento de Barragens e Repactuação.

Além de determinar uma data-limite para a repactuação, a comissão defende a suspensão dos licenciamentos da Samarco, Vale e BHP Billiton em Minas Gerais, enquanto o acordo não for alcançado. Esse requerimento foi feito pelos deputados ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. "Queremos instaurar um processo, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), para aplicar sanções administrativas, inclusive a cassação dos direitos minerários. O governo federal tem essa possibilidade. Abra um novo processo de licitação. Tenho certeza que muitas empresas estão interessadas. Com isso em andamento, com certeza as empresas vão sentar à mesa para negociar", diz Rogério.

A reportagem procurou o Ministério de Minas e Energia e aguarda retorno. Em notas, a Samarco, a Vale e a BHP informaram que estão abertas ao diálogo e “comprometidas com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão”. Sobre a repactuação, a Vale ressaltou que “está avaliando as soluções possíveis, especialmente no tocante à definitividade e segurança jurídica, essenciais para a construção de um acordo efetivo”. A empresa esclareceu que espera uma solução ainda no primeiro semestre deste ano.

Zema culpa governo federal

O governador Romeu Zema (Novo) afirmou, em café da manhã com jornalistas nesta semana, que o Ministério do Meio Ambiente é a mais recente razão que impede a assinatura da repactuação pela Tragédia de Mariana. De acordo com ele, a pasta do governo federal quer exigir das empresas a retirada dos rejeitos do Rio Doce, impactado pelo rompimento da Barragem de Fundão. 

“Eles querem dragar o rio. O problema disso é que, na minha visão, causa uma nova tragédia ambiental. Para onde você vai levar aquele rejeito? Não faz sentido”, disse. Segundo Zema, o acordo discutido no momento passaria por um pagamento gradual das empresas Vale e BHP Billiton, responsáveis pela Samarco. “Seriam 20 parcelas anuais”, afirmou. 

Questionado pela reportagem se faltava vontade política para resolver o problema, que se arrasta por anos, Zema não escondeu que as divergências com o governo federal atrapalham. “A União não quer colocar o dinheiro deste acordo nas minhas mãos”, disse. 

Por que a repactuação é necessária?

As empresas firmaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) em 2016 para reparar os danos da tragédia em Mariana. Esse documento criou a Fundação Renova, entidade ligada às mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Pelo acordo, seriam 42 programas e projetos implementados na área impactada.

Desde então, as empresas desembolsaram cerca de R$ 35 bilhões, mas o dinheiro não reparou, efetivamente, os danos da catástrofe. A própria abertura da mesa de repactuação com a participação das mineradoras comprova que nem mesmo as companhias estão satisfeitas com o modelo atual.

Em 2021, o Ministério Público de Minas Gerais chegou a pedir a extinção da Renova, mas o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu a tramitação do processo meses depois. Ele acatou pedidos da Advocacia Geral da União (AGU) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

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