A vitória do deputado federal Arthur Lira (PP-AL) na eleição da presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro deste ano, junto ao senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a presidência do Senado, parecia ser o prenúncio de que projetos de interesse do governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), tramitariam e seriam aprovados com facilidade no Congresso Nacional.
No início, até mesmo as pautas de costumes – como restrições às políticas de gênero e liberação de armas – pareciam ter ganhado dois importantes aliados nas votações parlamentares. Mas essa promessa de passe livre do Executivo no Legislativo não prosperou.
Ao contrário, à medida que Bolsonaro radicalizou os ataques contra o Poder Judiciário – mirando os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) – os parlamentares governistas mais moderados, sobretudo aqueles dos partidos do Centrão, começaram a dificultar a tramitação dos projetos do governo federal.
Manobras para liberação de recursos
Se as pautas de costumes subiram no telhado neste ano, as propostas econômicas do governo federal tampouco tiveram facilidade para serem aprovadas pelos parlamentares.
Esse movimento foi mais evidente no Senado do que na Câmara. Aprovada pelos deputados em setembro, a reforma do Imposto de Renda elaborada pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes enfrentou resistência dos senadores. Lá também foi derrotada a Medida Provisória que reformulava a legislação trabalhista.
Outra reforma travada no Senado é a tributária, que ainda não formou consenso. Desde que enviou uma proposta própria, em que unifica o PIS e a Cofins, o Planalto viu a matéria pouco avançar e ser incorporada a outras que já tramitavam no parlamento. Ainda assim, o texto segue travado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem uma perspectiva concreta de votação em 2022.
Um dos motivos para essa reviravolta no Senado é o fato de que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, aceitou se colocar como candidato à “terceira via” da disputa pelo Planalto em 2022.
Na Câmara, Lira se manteve mais fiel ao chefe do Executivo e aprovou com agilidade projetos como a PEC dos Precatórios. A proposta liberou espaço fiscal de R$ 91 bilhões no Orçamento de 2022 para o governo conseguir custear programas sociais.
Outro projeto aprovado pelo Congresso e determinante para as finanças do governo foi o PLN 19/2021, que trata do Orçamento de 2022. Entre as previsões de gastos da União, estão os recursos para os programas sociais, mais de R$ 16 bilhões para as emendas de relator e R$ 1,7 bilhão para reajuste salarial de servidores.
A princípio, esse valor estava reservado para o aumento dos salários das carreiras policiais, porém a insatisfação generalizada entre as categorias não beneficiadas, com anúncios de greve em reação, fez o presidente Bolsonaro colocar em suspenso, por enquanto, quais servidores vão contar com o reajuste.
O governo também não conseguiu emplacar a reforma administrativa, que não avançou na Câmara. Promessa do início da gestão econômica de Guedes e tratada como prioridade também por Arthur Lira, a discussão sobre reformular os planos de carreira do funcionalismo público, prevendo cortes nos chamados “supersalários”, por exemplo, ficou para o próximo ano.
Reformas têm poucas chances em 2022
Ao longo de 2021, Bolsonaro fez diversas alianças com lideranças do Centrão – bloco de partidos governistas sem ideologia definida – como uma maneira de ter mais facilidade na aprovação de projetos e de evitar um possível processo de impeachment, que depende de Lira para ser iniciado.
Uma das medidas de estreitamento com o bloco foi a nomeação de parlamentares para ocupar cargos no alto escalão do Planalto, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil e a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo. Ambos são responsáveis, entre outras funções, pela articulação e intermédio dos interesses do Planalto no Congresso.
Ainda assim, não será fácil para o governo aprovar as reformas. Na avaliação de Fernando Guarnieri, cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), há divergência de opinião tanto entre parlamentares quanto no próprio governo.
“Na agenda eleitoral, se procura o mínimo possível de desgastes e votando algum desses projetos pode ser um problema com algum apoiador. Então geralmente essas discussões costumam ficar para depois das eleições”, nota o especialista.
Outra dificuldade para o avanço dessas reformas é uma eventual derrota da atual gestão nas eleições. “Se o governo for derrotado, fica ainda mais difícil, vai ser necessário esperar o próximo governo para tentar avançar esses projetos. O governo perdeu o ‘timing’ [momento certo] com relação à reforma administrativa e tributária. Devia ter feito isso há mais tempo, mas nunca conseguiu ter força para isso, mesmo com o apoio do Centrão”, observa Guarnieri.
Em anos eleitorais, o Congresso normalmente realiza votações apenas pontuais a partir do segundo semestre, quando se intensificam as alianças e começa, de fato, a campanha eleitoral. A avaliação de parlamentares é que o governo deverá ter apenas os primeiros meses de 2022 caso queira avançar em projetos considerados polêmicos ou sensíveis.
CPI da Covid e outras dificuldades no Senado
Não foi só na aprovação de projetos de lei que o Executivo viu, no Senado, um ponto de resistência contra o seu programa de governo. Foi lá onde Bolsonaro passou por uma de suas principais trincheiras de batalha em 2021, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, criada para investigar ações e omissões do governo federal no combate ao coronavírus.
As dificuldades começaram na formação do colegiado, em que o Planalto só conseguiu emplacar 4 dos 11 membros titulares. Com isso, o governo viu a oposição ditar o ritmo dos trabalhos da primeira à última sessão e investigar a fundo a atuação do Ministério da Saúde.
Descobertas como as suspeitas de corrupção em compras de vacinas, o chamado gabinete paralelo da Saúde, a predileção por medicamentos sem eficácia comprovada e a crise do oxigênio em Manaus ajudaram a desgastar a imagem de Bolsonaro junto aos senadores e a parte do eleitorado. No fim, um relatório que pedia o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por nove crimes, além de imputar delitos a ministros e aliados.
No segundo semestre, também gerou desgaste ao governo no Senado a demora para votar a indicação do ministro André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal. Embora aprovado, Mendonça teve de esperar por quase cinco meses, o que na visão de alguns senadores, evidenciou as dificuldades do Planalto em ter uma boa articulação política na Casa.
Pior desempenho do Executivo
O baixo rendimento na aprovação de propostas enviadas pelo Executivo ao Legislativo é confirmado em estudo, divulgado no início de dezembro deste ano, pelo Observatório Legislativo Brasileiro (OLB). De acordo com o levantamento, o governo Bolsonaro aprovou, em 2021, apenas 27,7% dos projetos enviados ao Congresso Nacional, configurando o pior desempenho de um presidente da República desde a redemocratização.
No primeiro ano de governo, em 2019, Bolsonaro aprovou 30% das iniciativas enviados ao Parlamento. Antes desse índice, o pior desempenho havia sido registrado em 2014, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na época ela conseguiu aprovar 33% das propostas.
O melhor rendimento do Executivo federal neste mandato foi registrado em 2020, quando foram aprovados 42,9% do total de propostas enviadas. Boa parte desses projetos tratavam de medidas para conter o impacto da doença na economia do país, como a liberação de recursos para o pagamento do auxílio emergencial e a PEC do Orçamento de Guerra (PEC 10/2020), que criou um regime fiscal, financeiro e de contratações de trabalho especial para vigorar durante o período da pandemia.
O estudo foi realizado por pesquisadores do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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