Faroeste candango

Sem indenização, viúva de senador morto por pai de Collor virou babá e lavadeira

Enquanto Arnon de Mello foi absolvido e continuou no Senado até o fim da vida, mulher do senador que ele matou teve pedidos de indenização negados

Por Renato Alves | Levy Guimarães
Publicado em 04 de dezembro de 2023 | 06:00
 
 
 
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Em 4 de dezembro de 1963, o senador alagoano Arnon de Mello matou o colega José Kairala com um tiro dentro do plenário do Senado. A bala tinha como alvo o também senador por Alagoas Silvestre Péricles, inimigo do pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Mas acertou quem nada tinha a ver com a rixa. Kairala morreu aos 39 anos, logo após dar entrada em um hospital público de Brasília. E a família dele ficou à míngua, sem qualquer reparação financeira à altura.

Conforme mostra O TEMPO Brasília na série de reportagens que reconstitui o caso, Kairala era suplente e nem precisava estar naquela fatídica sessão. Fez questão de ir para mostrar o Senado à família e deixar o filho pequeno fazer uma foto do pai no plenário. Natural de Brasiléia, no Acre, para onde voltaria no dia seguinte, Kairala foi baleado justamente na cadeira que havia escolhido para o menino fazer o registro. Um lugar onde a vítima nunca havia se sentado antes.

Arnon e Silvestre, que também estava armado na Casa Legislativa e chegou a apertar o gatilho na tentativa de acertar o rival, acabaram presos em flagrante, mas não condenados. Foram absolvidos sob alegação de legítima defesa e voltaram ao Senado para terminar os mandatos.  

Mesmo tendo processado Arnon de Mello e Silvestre Péricles, a viúva de José Kairala, Creusa da Silva Kairala, não conseguiu do Estado brasileiro uma indenização compatível com o trauma e os danos gerados à família pelo assassinato do suplente de senador. Ela e Kairala tiveram quatro filhos – ela estava grávida quando o marido morreu.

Anos depois da tragédia, Creusa passou a receber uma pensão de valor irrisório, abaixo do valor equivalente ao salário mínimo da época. Na queda de braço com a União por uma indenização mais robusta, ela teve poucas chances de ser bem sucedida em sua apelação.

Em 1988, entrevista à revista Veja, Creusa falou das dificuldades para criar os filhos. “A rixa entre duas pessoas que nada tinham a ver com minha família e a irresponsabilidade de dois políticos em entrar armados no Congresso Nacional me transformaram de mulher de senador em lavadeira e babá. Para não ver meus filhos passarem fome, arregacei as mangas e fui para o tanque lavar roupas para os outros”, relatou.

Devido ao valor histórico, o processo número 967, de 1963, que tem 776 páginas e trata do crime no Senado, foi destinado à “guarda permanente” do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ele serviu para consulta da equipe de O TEMPO em Brasília.

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