O governo de Minas, por meio da Controladoria Geral do Estado (CGE) e da  Advocacia Geral do Estado (AGE), com a interveniência do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), assinou um acordo de leniência com a construtora Coesa S.A., a antiga OAS, no valor de R$ 42,7 milhões, que serão pagos em 19 anos, corrigidos pela Taxa Selic. O anúncio foi feito nesta segunda (7), em entrevista coletiva no Palácio Tiradentes, sede do Executivo estadual.

O acordo de leniência é voltado a empresas que confessaram atos de corrupção e é equivalente à delação premiada - esta é feita com pessoas físicas. Isso resulta em penas mais brandas e ressarcimento ao erário.  

Esse acordo foi assinado porque a construtora confessou fraudes durante as obras da Cidade Administrativa, entre 2008 e 2010, e também em contratos de projetos de construção civil da Cemig. O governo não deu mais detalhes de quais crimes foram cometidos pela construtora e informou apenas que foram fraudes em licitação. Com esse acordo, a construtora poderá firmar contratos com o poder público, ficando livre de algumas penalidades, como impedimento de participar de licitações. 

O valor total, R$ 42.760.679,43, foi calculado, de acordo com o Estado, considerando o ressarcimento ao erário, a multa civil da Lei de Improbidade Administrativa e o dano moral coletivo, em decorrência de ilícitos praticados no âmbito de contratos envolvendo recursos oriundos do Tesouro Estadual. Os detalhes do acordo ainda não foram divulgados.  

"A empresa nos procurou e nos relatou o cometimento de atos lesivos, trouxe provas desses atos e iniciamos a negociação, que resultou neste acordo de leniência. O interesse (da construtora) é atenuar as penalidades, e a maior delas seria o impedimento de firmar contratos com o poder público. Há também o ganho para o nosso lado (Estado), que, além do ressarcimento, a gente tem o que chamamos de alavancagem investigativa, porque a gente consegue seguir em investigações que não teriam condições se a empresa não tivesse nos procurado e nos relatado os atos lesivos", informou o controlador geral do Estado, Rodrigo Fontenelle.

Foram dois anos e meio de negociação e apuração. A antiga OAS, que também já tinha confessado atos lesivos com a União no âmbito da operação Lava Jato no valor de R$ 1,9 bilhão, começará a pagar as parcelas ao Estado apenas em 2024.

Os valores serão revertidos ao Tesouro Estadual e correspondem ao ressarcimento ao erário, à multa civil e a danos morais. Ainda segundo o controlador geral, a CGE atua somente no âmbito de pessoas jurídicas. Os acordos não conferem quitação à empresa de prejuízos ao erário adicionais que vierem a ser eventualmente apurados.

Além da leniência, também foi firmado um acordo de não persecução cível entre o MPMG e a construtora. "Com esses acordos, conseguimos o ressarcimento ao erário. Além disso, a empresa nos trouxe provas dos atos ilícitos que nos relatou, e isso vai nos propiciar tomar outras providências e continuar no combate à corrupção", afirmou a promotora do MPMG Paula Ayres Lima, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). 

Ainda segundo a promotora, há uma ação parada na Justiça que discute a competência do órgão julgador e outra ação por improbidade administrativa que tramita na Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, que também apura irregularidades de pessoas físicas em contratos da Cidade Administrativa. 

O advogado geral do Estado, Sérgio Pessoa, afirmou que a assinatura do acordo de leniência é uma maneira de combater a corrupção. “O trabalho em conjunto foi alicerçado no combate à corrupção e na possibilidade de que o colaborador traga informações que permitam às instituições atuarem em busca do ressarcimento dos ilícitos apurados junto ao Estado, inclusive recursos financeiros que poderão ser empregados nas políticas públicas. É um trabalho de integração. Esse modelo de acordo de leniência proporciona que as empresas tenham a percepção do caminho correto, de seguir o ordenamento jurídico e continuarem a atividade econômica dentro da legalidade”, disse. 

O que ficou acordado

Com a celebração do acordo de leniência, não serão aplicadas à empresa as sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 (lei de improbidade administrativa), com exceção da multa civil. Além disso, não serão aplicadas as penalidades previstas nos incisos III e IV do artigo 87 e 88 da Lei nº 8.666/1993 (lei geral das licitações).

Em caso de inadimplemento ou descumprimento do acordo pela empresa, haverá perda integral dos benefícios pactuados, vencimento e execução antecipada da dívida, entre outras penalidades, sendo assegurado ao poder público a utilização de todo o acervo de provas fornecido, segundo os órgãos de controle.

Segundo o governo, os valores pagos a título de ressarcimento ao erário serão integralmente destinados aos entes lesados, no percentual de suas participações no acordo, de acordo com os ilícitos admitidos. Já a multa civil será destinada ao Tesouro Estadual. Por fim, os valores pagos a título de dano moral coletivo vão ser revertidos em favor do Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (FUNEMP).

Obras da Cidade Administrativa 

A obra da Cidade Administrativa foi orçada inicialmente por R$ 949 milhões, mas com obras no entorno contratadas posteriormente o valor passou para R$ 1,2 bilhão. De acordo com o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), ao final, o custo ultrapassou R$ 1,8 bilhão. A obra foi inaugurada em 2010. 

Questionado sobre o valor de R$ 42,7 milhões que a Coesa vai pagar de ressarcimento, o controlador geral do Estado afirmou que essa é a parte que coube à empresa.

"É importante ressaltar que as obras da Cidade Administrativa tiveram várias empresas envolvidas, com vários lotes, e a Coesa foi apenas uma delas. Então, o valor corresponde à atuação da empresa, e não em relação ao valor total da obra. A gente tem que lembrar que foram diversos contratos dentro da Cidade Administrativa, e esse foi o segundo acordo de leniência relacionado à obra. E o cálculo foi feito de maneira minuciosa", explicou Fontenelle.

O primeiro acordo de leniência assinado pelo governo de Minas foi feito com a construtora Andrade Gutierrez (AG), em 2021, no valor de R$ 128,9 milhões - valor é composto de recursos referentes a fraudes em licitações vencidas pela construtora em obras da Cemig e também da construção da Cidade Administrativa entre 2004 e 2011. No entanto, o governo recebeu críticas por não divulgar detalhes do acordo com a AG

A reportagem procurou a Cemig, a construtora Coesa e o deputado federal Aécio Neves (PSDB), que era governador na época em que a empresa confessou as práticas ilícitas e foi quem inaugurou a Cidade Administrativa, em 2010.

A Cemig disse que não vai se pronunciar. A reportagem aguarda as outras respostas.