BRASÍLIA - A eleição presidencial na Venezuela no último domingo (28) põe à prova a relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o regime chavista, no poder há 25 anos. A pressão sobre o petista aumenta a cada dia. Na quinta-feira (1º), o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que Edmundo González venceu o pleito no país caribenho, contrariando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que apontou Nicolás Maduro como vencedor no último domingo (28), podendo ficar mais seis anos na presidência. A oposição alega fraude

No Brasil, até parlamentares petistas e ministros do governo Lula têm criticado publicamente Maduro, não reconhecendo a sua vitória, assim como governos de outros países. As declarações contrariam a posição da Executiva Nacional do PT, que publicou nota chamando Maduro de presidente reeleito e dizendo que ele mantém diálogo com a oposição, enquanto aumenta a repressão às manifestações realizadas na Venezuela desde segunda-feira (29).

Além de mandar prender manifestantes, Maduro expulsou diplomatas de países que não reconheceram a sua vitória. O Brasil assumiu as embaixadas do Peru e da Argentina e a segurança de seis venezuelanos asilados que se refugiaram nesta última. Em meio a esse cenário, na quinta-feira, os governos do Brasil, Colômbia e México divulgaram uma nota conjunta pedindo a divulgação das atas eleitorais da votação de domingo.    

Essas atitudes levaram o presidente da Argentina, Javier Milei, e a líder opositora venezuelana María Corina Machado a publicarem nas redes sociais agradecimentos ao governo brasileiro. Adversário de Lula, Milei chegou a dizer que cortaria relações com qualquer país comandado por um esquerdista. Mais de uma vez, ele teceu duras críticas a Lula e fez graves acusações, sem mostrar provas. Mas, dessa vez, Milei enalteceu os fortes laços de Brasil e Argentina

Lula é cobrado por ter sido eleito defendendo a democracia

A relação de Lula com a Venezuela sempre foi alvo de críticas no Brasil, principalmente por parte da direita. O petista foi eleito em 2022 com o discurso de defesa da democracia, que atraiu uma ampla aliança com partidos de esquerda e centro. Agora, diante do impasse na Venezuela, ele vem sendo muito cobrado, já que o regime de Maduro é tido como autoritário e antidemocrático.  

Lula recebeu Maduro em Brasília, com honrarias, em maio de 2023. O presidente venezuelano não vinha ao Brasil desde 2015, quando participou da posse do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sofreu impeachment no ano seguinte. Sua presença no país era vetada desde agosto de 2019, quando foi publicada uma portaria assinada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) que também proibia o ingresso de outras autoridades do país vizinho.

O petista classificou como “histórico” o encontro com Maduro no ano passado. Durante declaração conjunta à imprensa, o brasileiro fez fortes críticas aos EUA pelo embargo econômico ao país vizinho, afirmando que as sanções econômicas são “piores do que uma guerra”, e chamou de “narrativas” as acusações de que a Venezuela não vive sob um regime democrático.

Lula também criticou países europeus por apoiarem o dirigente opositor Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino pelos EUA e mais 50 países, incluindo o Brasil durante o governo de Bolsonaro, do início de 2019 a janeiro de 2023. Mas, após uma tentativa fracassada de tirar Maduro do poder a qualquer custo, o opositor acabou perdendo legitimidade interna e externamente.

Lula e Maduro voltaram a se encontrar em outubro de 2023. Na ocasião, trataram de diversas cooperações entre os dois países, que haviam sido suspensas no governo de Jair Bolsonaro (PL). Entre outras coisas, Lula e Maduro discutiram a retomada da exportação de energia elétrica da Venezuela para o Brasil, por meio de conexão que historicamente contribuiu com energia limpa para a segurança e a estabilidade energética do estado de Roraima. Trataram também de propostas para a retomada do pagamento da dívida bilateral da Venezuela com o Brasil.

ONGs e organismos internacionais contrariam as declarações de Lula sobre o regime de Maduro. Dados da Anistia Internacional e da ONU mostram que o governo venezuelano viola os direitos humanos e é suspeito de crimes contra a humanidade. Em 2023, essas entidades estimavam que havia ao menos 300 presos políticos no país, número que aumentou no período de campanha da agora questionada reeleição de Maduro.

Desde a última segunda-feira, uma onda de protestos tomou as ruas da Venezuela, com ao menos 11 mortos e 711 detidos identificados, dentre eles 74 menores, segundo a ONG Foro Penal. Na quinta-feira, Maduro disse que 1,2 mil pessoas haviam sido presas por participar das manifestações contra o resultado do pleito e outras mil seriam capturadas nos próximos dias, sendo que todas acabariam em presídios de segurança máxima. 

Lula criou ‘Grupo de Amigos da Venezuela’

A Venezuela já teve um peso maior na economia da América Latina, mas ainda é relevante especialmente pelo petróleo e pela geopolítica amazônica. No caso do Brasil, isso é determinante, pois é extensa a fronteira entre os dois países. Desde 2018, mais de 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país — 6,5 milhões deles rumo a nações na América Latina e no Caribe, com Colômbia (2,8 milhões) e Peru (1,5 milhões) no topo do ranking global, segundo dados da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela.

Com as eleições de Lula e de Hugo Chávez — eleito pela primeira vez em 1999 — e a proximidade ideológica de ambos, Brasil e Venezuela intensificaram suas relações. Quando Lula tomou posse, em 2003, a Venezuela passava por um dos seus tensos períodos políticos, com uma tentativa fracassada de golpe de Estado contra Chávez no ano anterior. Essa crise se estendia desde finais de 2001, quando entidades patronais e partidos opositores iniciaram uma série de marchas contra o governo chavista.

Chávez viu o movimento crescer após ter aprovado diversas reformas que, entre outras medidas, taxava empresas transnacionais do setor petroleiro, fixava em 51% a participação do Estado em sociedades mistas e facilitava a expropriação de grandes propriedades de terras. Em socorro ao colega, Lula criou o “Grupo de Amigos da Venezuela”, formado por países aliados das Américas e da Europa.

Dessa forma, os governos de Brasil, Estados Unidos, México, Chile, Espanha e Portugal sustentaram um diálogo entre governo e oposição na Venezuela, reduzindo as tensões entre Chávez e o então presidente norte-americano, George W. Bush. A iniciativa aproximou mais ainda Lula de Chávez, abrindo as portas da Venezuela para empresas brasileiras.

Exportações brasileiras para Venezuela dispararam com Lula

Os números da balança comercial Brasil-Venezuela atingiram o pico após Lula assumir a presidência do Brasil em 2003. Empresas brasileiras passaram a vender diversos produtos, em grandes volumes, para a Venezuela, com incentivos dos dois países. As exportações brasileiras para o país vizinho passaram de US$ 603 milhões em 2003 para US$ 5,1 bilhões em 2008, no segundo mandato de Lula. Esse intercâmbio comercial chegou a ser de US$ 6 bilhões em 2013, já com Dilma como sucessora de Lula. 

Foi nos anos do governo petista que a Petrobras e a PDVSA, a estatal de petróleo da Venezuela, firmaram acordo para a construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Lançado em 2005, o projeto foi marcado por atrasos nas obras e denúncias de corrupção, começando a operar apenas em 2014. Também com o PT na Presidência do Brasil, a Venezuela entrou para o Mercosul em 2012. Mas o país acabou sendo suspenso em 2016, após os países-membros considerarem que o governo de Maduro estava descumprindo obrigações do bloco.

Maduro venceu eleição, também contestada, em 2023

Em outubro de 2012, Hugo Chávez foi reeleito para um quarto mandato na Venezuela e escolheu Maduro para ser seu vice-presidente. Pouco tempo depois, o presidente se afastou do cargo para cuidar da saúde, e o vice assumiu o comando interinamente. Chávez morreu em março de 2013. em abril, Maduro concorreu contra Henrique Capriles na eleição especial para escolher um presidente para cumprir o restante do mandato. Maduro venceu a disputa com quase 51% dos votos.

Capriles fez alegações de irregularidades na votação e exigiu uma recontagem completa. O CNE realizou uma auditoria das cédulas nos 46% dos distritos que ainda não haviam sido auditados automaticamente pela lei eleitoral venezuelana. Maduro foi empossado em 19 de abril daquele ano.

Com Maduro, a Venezuela mergulhou em uma grave crise financeira. Com uma crise financeira. A população foi para as ruas, exigindo a saída de Maduro. Leopoldo López, que liderou as manifestações, acabou preso em 2015 acusado de incitar a violência. No mesmo ano, Antonio Ledezma, então prefeito de Caracas, também foi detido acusado de conspirar contra o governo.

Enquanto a comunidade internacional denunciava violações de direitos humanos e os Estados Unidos punia a Venezuela com sanções econômicas, a esquerda brasileira, em especial o PT e movimentos sociais, davam declarações apoiando Maduro e rechaçando acusações de abusos do regime venezuelano. Creditavam a crise econômica do país vizinho ao bloqueio norte-americano.

Na mesma época, com uma crise financeira atingindo o Brasil, a esquerda brasileira perdeu o comando do poder nacional com o impeachment de Dilma, assistindo à ascensão da direita. Com Michel Temer (MDB) e, principalmente, Bolsonaro na Presidência, o comércio bilateral entre Brasil e Venezuela minguou, caindo para US$ 1,7 bilhão em 2022, com exportações brasileiras de US$ 1,3 bilhão e importações de quase US$ 400 milhões.