BRASÍLIA - O Ministério das Relações Exteriores (MRE) colocou sob sigilo de cinco anos os seis ofícios que enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a eleição presidencial na Venezuela, realizada em 28 de julho, mas que vários países, incluindo o Brasil, não reconhecem como legítima

O presidente Nicolás Maduro foi declarado vencedor, mas o órgão responsável pela realização do pleito se recusa a divulgar as atas oficiais mostrando como votaram os venezuelanos. As atas têm os números de cada seção eleitoral, o que permitiria uma verificação por instituições independentes não controladas pelo regime chavista.

Por outro lado, a oposição publicou recibos de milhares de máquinas de votação que mostram que seu candidato, Edmundo González, ganhou uma maioria esmagadora. O Brasil e outros países do continente condicionaram o reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral venezuelano à divulgação integral das atas.

Itamaraty não atendeu pedido por meio de Lei de Acesso à Informação

O sigilo sobre os documentos do governo brasileiro foi revelado pelo jornal O Globo, após a equipe do diário carioca pedir os ofícios ao Itamaraty por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O MRE respondeu que os documentos estavam sob sigilo por cinco anos. 

O pedido de acesso aos ofícios foi feito após o jornal mostrar que o governo Lula pressionou o TSE a enviar servidores para acompanhar in loco a eleição presidencial venezuelana. O tribunal depois recuou e não enviou seus funcionários. 

Os seis ofícios do Itamaraty enviados ao TSE vieram da divisão de Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela do Itamaraty e foram classificados como “reservados” pelo embaixador João Marcelo Galvão de Queiroz, diretor do Departamento de América do Sul do Itamaraty. Em todos os casos, as razões para a classificação estão escondidas sob uma tarja preta.

Segundo o Itamaraty, os primeiros três documentos tratam de temas como “observação internacional às eleições presidenciais venezuelanas” (tema do primeiro ofício, enviado em 15 de abril deste ano), “registro eleitoral nas eleições venezuelanas” (7 de maio)” e “convite a representantes do TSE para que observem as eleições presidenciais venezuelanas” (17 de maio).

Esses três ofícios foram enviados ao TSE ainda na gestão de Alexandre de Moraes, que deixou o comando do tribunal no início de junho. Em nota divulgada em 30 de maio, no fim da gestão de Moraes, o TSE comunicou que não mandaria ninguém para a Venezuela.

Depois que Cármen tomou posse como presidente do TSE em 3 de junho, mais três ofícios foram enviados pelo Itamaraty à Corte Eleitoral, com os seguintes tópicos: “missões internacionais de observação eleitoral nas eleições locais” (28 de junho), “exercício de simulação das eleições presidenciais venezuelanas” (3 de julho) e “observação internacional às eleições presidenciais venezuelanas” (12 de julho).

A Corte indicava que, apesar da posição pública da gestão Alexandre de Moraes, o Itamaraty ainda insistia no assunto após a troca no comando do tribunal. Em 17 de julho, o TSE, sob comando de Cármen Lúcia, confirmou que enviaria dois servidores da área técnica do tribunal para Caracas, mudando radicalmente a postura adotada na gestão Moraes.

Embora os técnicos escolhidos para a missão fossem experientes e respeitados no TSE, a decisão de Cármen provocou mal-estar na Corte Eleitoral e levantou o temor de que o envio de servidores do Poder Judiciário brasileiro fosse interpretado como um endosso a um pleito marcado por ameaças de Maduro antes mesmo de os venezuelanos irem às urnas.

Mas após as críticas infundadas de Maduro ao sistema brasileiro de votação, Cármen desistiu de enviar os dois servidores, que não chegaram a embarcar para a Venezuela. O recuo ocorreu a quatro dias da realização das eleições presidenciais.