O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou nesta quarta-feira (27) que o seu país estará “junto ao Brasil” para desenvolver propulsão nuclear de futuros submarinos. Já Luiz Inácio Lula da Silva enalteceu as Forças Armadas e defendeu a valorização das estratégias de defesa em face de “um processo de animosidade contra o processo democrático”.
Lula e Macron fizeram as declarações durante a cerimônia inaugural do submarino Tonelero (S42), da Marinha brasileira, que faz parte de uma parceria estratégica inédita entre os governos da França e do Brasil, que resultará na construção do primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear. Ele só deve ficar pronto em 2031 e será o maior de todos, com 100 metros de comprimento e 7.000 toneladas.
"Quero que iniciemos um capítulo para novos submarinos (...), que olhemos de frente para a propulsão nuclear sendo perfeitamente respeitosos a todos os compromissos de não proliferação", disse Macron.
O líder francês defendeu ampliar a parceria entre Brasil e França. De acordo com ele, os dois países compartilham "a mesma visão de mundo" e "rejeitam a conflituosidade".
"Tenho a convicção que podemos abrir uma nova página dessa parceria estratégica entre os nossos dois países. Temos a mesma visão do mundo e do seu equilíbrio. Rejeitamos o mundo que seja prisioneiro da conflituosidade entre duas grandes potências", afirmou Macron.
Lula aproveitou para enaltecer as Forças Armadas, em mais um aceno aos militares, em meio às investigações da Polícia Federal que miram generais e outros oficiais por causa de um suposto plano de golpe de Estado que previa impedir a posse do petista para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder.
"Esse carinho que temos com a Marinha, temos com a Força Aérea Brasileira e com o Exército Brasileiro, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter forças armadas altamente qualificadas, altamente preparadas ao ponto de dar respostas e garantir a paz quando nosso país precisar", disse Lula em seu discurso.
Sem citar investigações nem episódios específicos, ele também defendeu a valorização das estratégias de defesa em face de "um processo de animosidade contra o processo democrático" no Brasil.
"Temos que nos preocupar com a nossa defesa, a defesa para quem quer paz. Temos que nos preocupar com a tranquilidade de 203 milhões de brasileiros. Existe um processo de animosidade contra o processo democrático nesse país e no planeta Terra", ressaltou o presidente.
Lula e Sarkozy firmaram parceria em 2008
O Tonelero é o terceiro dos quatro movidos a propulsão diesel-elétrica previstos no acordo do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), firmado em dezembro de 2008 pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy e o próprio Lula. Estas embarcações de 1.870 toneladas e 71 metros de comprimento podem disparar torpedos pesados F21 ou mísseis antinavio Exocet, também adquiridos da indústria de defesa francesa.
O acordo de 16 anos atrás também previa a venda de 50 helicópteros Caracal, a serem montados no Brasil, em um contrato de R$ 37,1 bilhões para desenvolver a indústria submarina do Brasil, com uma nova base naval e um estaleiro para construção de submarinos em Itaguaí (RJ), na Costa Verde do Rio, que foi inaugurado em 2018.
Depois que os quatro submarinos convencionais forem entregues, a parceria deverá resultar na construção do primeiro submarino à propulsão nuclear da Marinha do Brasil, o que, segundo as Forças Armadas, é fundamental para a soberania nacional. Com seus 8.500 quilômetros de costa, o Brasil busca garantir a segurança da chamada Amazônia Azul, zona econômica exclusiva por onde passam mais de 95% de seu comércio exterior e de onde é extraído cerca de 95% de seu petróleo.
A Marinha destaca que a nova geração de submarinos brasileiros é equipada com modernos sensores, mísseis e torpedos – o último a propulsão diesel-elétrica, o Angostura, deve ser lançado em 2025. "O projeto do Tonelero incorpora a modernidade das embarcações francesas da classe Scorpène, com adaptações e incrementos para atender às necessidades específicas das operações da Marinha do Brasil", diz a Marinha em nota.
Já o grupo naval de defesa francês Naval Group como diz que o Prosub é "o programa de transferência de tecnologia mais completo já realizado". Engenheiros e técnicos brasileiros foram treinados em Cherbourg, na França, enquanto o Naval Group fornece os planos, alguns equipamentos e assistência técnica.
Janja cumpre tradição no lançamento do submarino Tonelero
A cerimônia de lançamento do Tonelero aconteceu em Itaguaí, onde fica o Complexo Naval da Marinha do Brasil e são construídos os submarinos por meio do Prosub. Além de Lula e Macron, a primeira-dama brasileira, Janja da Silva, participou como madrinha da nova embarcação. Mantendo a tradição do meio naval, ela quebrou uma garrafa de espumante no casco do submarino. Trata-se de uma simbologia para transmitir sorte e proteção aos marinheiros que usarão o Tonelero.
Em dezembro de 2018, no lançamento ao mar do submarino Riachuelo, a então primeira-dama Marcela Temer teve a mesma função, assim como, em 2020, fez Adelaide Chaves Azevedo e Silva, mulher do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo.
Confira abaixo algumas das especificidades do submarino Tonelero:
- Medidas: 71,62 metros de comprimento, 6,2m de diâmetro e 15m de altura.
- Transporte: pode levar 1.870 toneladas e ficar em operação por até 70 dias.
- Tripulação: 27 praças e oito oficiais da Marinha.
- Profundidade e velocidade: pode atingir 250m de profundidade e 37km/h.
- Motores: terceiro submarino brasileiro com propulsão diesel-elétrica construído.
Macron viaja por rio amazônico e se encontra com indígenas
O presidente francês desembarcou terça-feira (26) no Brasil, vindo da Guiana Francesa. A viagem começou em Belém (PA), onde foi recebido por Lula. Eles seguiram em um barco da Marinha para a Ilha do Combu, na margem sul do Rio Guamá. O trajeto incluiu a travessia do rio e a navegação por uma área de igarapés, onde os dois líderes puderam ter contato com a Floresta Amazônica preservada.
Lula e Macron conheceram um exemplo de produção artesanal de cacau e chocolate na região. A ideia, segundo o Palácio do Itamaraty, foi mostrar ao presidente francês a complexidade da questão amazônica e as alternativas de desenvolvimento econômico sustentável que existem.
Macron condecora Raoni com maior honraria da França
Depois, os presidentes foram ao encontro do cacique Raoni, líder do povo kayapó e um dos representantes indígenas mais reconhecidos internacionalmente. Raoni foi condecorado por Macron, nesta terça-feira, com a ordem do cavaleiro da Legião de Honra da França. A medalha é a maior honraria concedida pela França aos seus cidadãos e a estrangeiros que se destacam por atividades no cenário global.
“Caro Raoni, esse momento é dedicado a você. Várias vezes você foi à França e eu me comprometi a vir aqui na sua floresta, estar junto com os seus. Essa floresta, que é tão cobiçada, mas que você sempre lutou para defendê-la durante décadas. O presidente Lula e eu, hoje, fazemos causa comum com um de nossos amigos”, disse Macron em discurso antes de entregar a medalha ao cacique.
Raoni cobra de Lula demarcação de terras indígenas
Em seu pronunciamento, falado no idioma kayapó e traduzido por um parente, Raoni cobrou ações do governo brasileiro para evitar ameaças ao desmatamento, e pediu que o governo bloqueie o projeto de construção da Ferrogrão.
Com 933km extensão, o projeto, ao custo de R$ 12 bilhões, prevê uma ferrovia que ligará Sinop, em Mato Grosso, ao porto paraense de Miritituba. A obra cruzaria áreas de preservação permanente e terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2,6 mil pessoas.
“Presidente Lula, me escuta, eu subi com você na posse, na rampa [do Palácio do Planalto], e eu quero pedir que vocês não aprovem o projeto de construção da ferrovia de Sinop a Miritituba, mais conhecido como Ferrogrão", afirmou o cacique, lembrando da cerimônia de posse de Lula, em 1º de janeiro de 2023.
“Sempre defendi que não pode ter desmatamento, não consigo aceitar garimpo. Então, presidente, quero pedir novamente que você trabalhe para que não haja mais desmatamento e também que você precisa demarcar as terras indígenas”, continuou o cacique, que ainda pediu que o governo amplie o orçamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Lula cobra mais dinheiro de países mais ricos
Em resposta, Lula disse que há poucas terras indígenas demarcadas no Brasil, em reação à crítica de setores do agronegócio brasileiro, aos quais chamou de “conservadores e latifundiários” Ao lado de Macron, Lula cobrou que países mais industrializados “que já desmataram” ajudem financeiramente os demais na preservação de florestas tropicais
“Queremos convencer o mundo de que o mundo que já desmatou tem que contribuir de forma importante para que países que ainda tem florestas mantenham a floresta de pé. Esse é um compromisso nosso”, afirmou Lula, que tem ampliado a cobrança de que os países ricos doem US$ 100 bilhões por ano para ações climáticas, previsto no Acordo de Pais, mas nunca concretizado. Ele reiterou o compromisso assumido pelo Estado brasileiro de zerar o desmate na Amazônia até 2030 e disse que fará da “luta contra desmatamento uma profissão de fé”.
Macron anunciou que ambos vão investir US$ 1 bilhão de dólares cada em iniciativas para promoção da biodiversidade, desenvolvimento econômico dos indígenas e atividades que favoreçam a preservação florestal. Macron chamou o compromisso em favor da bioeconomia de “Apelo de Belém”.
Segundo Macron, o projeto conjunto com o Brasil visa aproximar os territórios dos dois lados do Oiapoque – referindo-se à Guiana Francesa, que visitou na véspera – e “lutar contra o garimpo e interesses financeiros de curto prazo que ameaçam a floresta”.
O presidente francês disse que os dois países podem formar o maior parque florestal do mundo e prometeu estimular o intercâmbio de pesquisa entre antropólogos e cientistas.
“Vamos investir US$ 1 bilhão cada país para biodiversidade e atividades econômicas compatíveis com interesses dos povos indígenas, que permitam ter perspectiva de desenvolvimento e preservar a floresta”, afirmou o francês, ainda na Ilha do Combu, rodeado de lideranças dos povos indígenas brasileiros, após condecorar o cacique Raoni.
Macron havia prometido no ano passado destinar 500 milhões de euros à preservação florestal no Brasil. Ele não detalhou se os recursos se sobrepõem ou são novos. O francês não anunciou a adesão da França ao Fundo Amazônia.
Macron e Lula devem fechar 30 acordos de cooperação
Brasil e França negociam cerca de 30 acordos de cooperação em diferentes áreas e devem assinar ao menos 15 deles nesta visita de Macron, segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Essa é a primeira viagem bilateral de Macron a um país latino-americano (ele esteve em 2017 na Guiana Francesa, um departamento ultramarino, e em 2018 em Buenos Aires, para a Cúpula do G-20). O último presidente francês a pisar no Brasil foi François Hollande, em 2016, para a Olimpíada do Rio.
“No momento em que o Brasil sediará a cúpula do G20 no Rio de Janeiro neste ano, bem como a cúpula da COP30 em Belém, em 2025, essa visita dará aos dois líderes a oportunidade de compartilhar seus pontos de vista sobre os principais desafios globais, especialmente sobre as questões de proteção da biodiversidade, transição ecológica e descarbonização das economias”, disse a Embaixada da França no Brasil por meio de nota oficial.
Um tema espinhoso entre Brasil e França é o das negociações em torno do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. O presidente francês declarou, no fim do ano passado, sua oposição ao fechamento do acordo. Lula tem dito que a França é o grande obstáculo para a assinatura do acordo por causa de exigências ambientais que o brasileiro julga exageradas. O governo francês é acusado de agir pensando apenas na proteção dos seus produtos.
Encontros com empresários, artistas e Raí
Após a agenda no Rio, Lula retorna a Brasília, enquanto Macron viaja para São Paulo, onde cumprirá outra etapa de sua visita ao Brasil. Na capital paulista, o presidente francês participará do Fórum Econômico Brasil-França, na quarta-feira, na sede da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Cerca de 50 empresários franceses estarão presentes.
Os dois países registraram fluxo comercial de US$ 8,4 bilhões em 2023, sendo US$ 2,9 bilhões de exportações e US$ 5,5 bilhões de importações. Na pauta de exportações brasileiras para França, predominam produtos como farelo de soja, óleos brutos e petróleo, celulose e minério de ferro. Do lado francês, os principais produtos importados pelo Brasil são motores e máquinas, aeronaves e produtos da indústria de transformação.
Segundo dados do Banco Central, a França é o terceiro maior investidor no Brasil, com mais de US$ 38 bilhões. Além disso, há cerca de 860 empresas francesas atuando no Brasil, com geração de 500 mil empregos. O encontro empresarial contará com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Após o encontro empresarial, Macron vai visitar o Instituto Pasteur, também na capital paulista. À noite se encontrará com jovens da Fundação Gol de Letra, mantida por Raí, ex-jogador de futebol que é ídolo do São Paulo e do Paris Saint-Germain, o PSG.
Na mesma noite, Macron deverá participar de um jantar com artistas e personalidades da cultura brasileira, incluindo o cantor e compositor Chico Buarque. Não está descartada a possibilidade de o presidente francês caminhar a pé pela Avenida Paulista e visitar o Museu de Arte de São Paulo (Masp).
A agenda ainda prevê encontro com integrantes da comunidade francesa no Brasil e inauguração de uma unidade do laboratório Pasteur na Universidade de São Paulo (USP). O presidente francês passa a noite de quarta-feira na capital paulista e, no dia seguinte, embarca para a última etapa da viagem, que é a visita de Estado a Brasília.
200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e França
Na capital federal, Macron será recebido com honras de chefe de Estado e se reunirá com Lula no Palácio do Planalto. O encontro terá ênfase em temas bilaterais e globais, além de culturais – já que 2025 marca os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países.
Temas como reforma das instituições multilaterais, incluindo assento permanente do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além das guerras na Ucrânia e em Gaza devem ser abordados por ambos. A situação política na Venezuela e a crise humanitária no Haiti são outros assuntos que deverão ser tratados.
Cerca de 30 atos poderão ser assinados por Lula e Macron, em diversas áreas. Após essa etapa da reunião, os dois presidentes farão uma declaração à imprensa. Em seguida, participam de almoço no Itamaraty. Emmanuel Macron ainda deverá ser recebido no Congresso Nacional pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).